Experiência de Deus

Experiência de Deus

Conhecimento Experiencial e Conhecimento Intelectual um pequeno ensaio na ótica da Fé e da Razão

Justificativa:

Assim expressa João Paulo II em sua encíclica sobre a fé e a razão: “A fé e a razão constituem como que as duas asas as quais o espirito humano se eleva para a contemplação da verdade”. É sobre esta verdade de fé que a Igreja dá seus passos e caminha como mãe mestra da humanidade, ao norteá-la sobre uma antropologia que visa o conhecimento de Deus e seu projeto para a humanidade. O autor da carta aos Hebreus nos ensina que “sem a fé é impossível agradar a Deus” (Heb, 11, 6), essa fé nasce de uma experiência, de um anúncio (Rm 10, 17), ambos os textos nos fazem ver que o experiencial e o intelectual caminham juntos, e os dois procedem do mesmo Deus como uma dádiva ao ser humano.

“Crer é um ato da inteligência humana que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça” (Santo Tomás de Aquino – S. Th. II-II,2.9). O nosso ato de resposta a Deus, longe de excluir a inteligência, faz dela uma instância de tal resposta. Desta forma, nós podemos afirmar uma relação positiva entre fé e razão: “Mas, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porque o mesmo Deus que revelou os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão, e Deus não pode negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer a verdade” (Concílio Vaticano I – Dei Filius – DS 3017)[2].

Considerando esta riqueza que tanto a Sagrada Escritura quanto o magistério oficial da Igreja nos trazem, duas perguntas nortearão nossa reflexão, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o assunto.

Sendo a experiência primordial na vida cristã, não seria necessário aprofundar a nossa reflexão sobre a mesma?

No que tange a fé, esta é uma questão que faz pensar! Que tipo de conhecimento é mais importante, ou ainda, há uma precedência de um para com o outro, ou ambos são necessários e não contraditórios em si?

O Conhecimento:

Em audiência geral do dia 30/01/2008, Bento XVI, falando sobre Santo Agostinho, nos presenteia com estas auspiciosas palavras: “Estas duas dimensões, fé e razão, não devem separar-se nem contrapor-se, mas devem estar sempre unidas. Como escreveu Agostinho após sua conversão, fé e razão são «as forças que nos levam a conhecer» (Contra Acadêmicos, III 20, 43). Neste sentido, continuam sendo famosas suas duas fórmulas (Sermões, 43, 9) com as quais expressa esta síntese coerente entre fé e razão: crede ut intelligas («crê para compreender») – crer abre o caminho para cruzar a porta da verdade -, mas também e de maneira inseparável, intellige ut credas («compreende para crer»), perscrutar a verdade para poder encontrar a Deus e crer”[3].

O evangelista João ao falar sobre a vocação dos discípulos faz ver o seguinte: “Vinde e Vede”! (Jo 1, 39). Jesus chama para si! Seu discipulado é antes de tudo relacionar. Objetivamente o conhecimento de Deus é experiencial, neste sentido precede ao intelectual, mas ao mesmo tempo é intelectual; não no sentido helênico do termo, onde se sobrepõe o conhecimento com via de salvação, ou ainda, no sentido moderno de “profissão de gabinete”. Por intelectual entenda-se no decorrer do artigo o esforço da razão humana para crescimento e aprimoramento da experiência de Deus na vivencia da fé, não se trata de erudição, e sim, de abertura e empenho na reflexão. Conhecimento experiencial e intelectual são duas faces da mesma moeda, onde uma não dispensa a outra, embora a experiência preceda e ilumina a inteligência.

A experiência de Deus é para todos, letrados e iletrados, contudo, mesmo o iletrado é passível de conhecimento, pois o conhecer está na essência do ser humano. É pelo conhecimento ou capacidade de apreensão que o ser humano se relaciona, portanto mesmo o iletrado que não tem o aprendizado pela leitura, o tem pelo toque, pela visão, pela escuta (…) os sentidos são vias ordinárias de conhecimento, ao elencar as cinco vias para o conhecimento de Deus, Tomas de Aquino, não menciona, ao menos diretamente, a leitura como caminho ordinário, ao contrário, ele pressupõe a capacidade de apreensão do ser humano e sua relação com a obra criada.

  • Primeiro Motor Imóvel: Supõe o universo em movimento, porém um ser não move a si mesmo, logo é preciso que haja outro ser que o movimente. Assim Tomas fala de um primeiro motor que o movimente.
  • Primeira Causa Eficiente: Trata-se do efeito que este motor imóvel acarreta, pois não a efeito sem causa. Assim retrocedendo ao infinito, não poderíamos senão chegar a uma causa eficiente que dá início ao movimento das coisas.
  • Ser Necessário e os seres possíveis: Trata-se dos seres que podem ser e não ser. Fala-se de um não ser que passa a ser e pode voltar a não ser. Sendo que do nada, nada vem, é preciso que haja um Ser que fundamente esta existência!
  • Graus de Perfeição: Trata-se de um máximo que contém o verdadeiro ser. Nas coisas existem graus de perfeição, mas para que existam estes graus é preciso que exista um ser máximo desta perfeição. Assim existe um ser máximo de beleza, de bondade, de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser máximo e pleno.
  • Governo Supremo: Trata-se da ordem e finalidade que a suprema inteligência governa todas as coisas. Há um ser inteligente que dirige todas as coisas para que elas cumpram seu objetivo.

O ser movente que não é movido por nem um outro é Deus; Essa causa primeira é Deus; Este Ser necessário é Deus; Esse Ser perfeito é Deus; Este Ser inteligente que dirige todas coisas na natureza é Deus. DEUS É O AGENTE PRIMEIRO que ao criar o ser humano o potencializa com todos os meios necessários, para que este, o ser humano, nas mais diversas circunstâncias esteja sempre apto a conhecê-lo e na liberdade recebê-lo de todo o coração, aderindo assim a uma vida nova e plena de sentido.

Embora a reflexão tomista tenha um fundo filosófico intelectual, o diferencial consiste na linguagem, o conteúdo é passível de compreensão para letrados e iletrados, desde que saibamos expressar a intenção do santo doutor.

Da mesma forma Agostinho percebe-se no ardente desejo do conhecimento de Deus, embora com todo seu potencial intelectual, sua descoberta se deu pelos sentidos, pela contemplação[4].

 

“Interroguei a terra e ela me respondeu: Eu não sou o teu Deus.

Tudo que vive na superfície da terra me deu a mesma resposta.

Interroguei o mar e seus habitantes e eles me responderam: Não somos o teu Deus, procura mais acima.

Interroguei o vento, e ele me respondeu: Eu não sou o teu Deus.

Interroguei o céu, o sol, a lua, as estrelas. Todos me responderam: Não somos o deus que procuras.

Então eu lhes pedi: Já que não sois o meu Deus, falai-me de meu Deus, dizei-me alguma coisa sobre ele.

E todos me responderam, com sua voz poderosa:

Foi ele que nos criou.

Para os interrogar, eu precisava somente contemplar, e sua resposta era sua beleza”. (Morin, 1995, p.28).

 

Na sua etimologia a palavra inteligência tem por base a junção de duas palavras, inter, “entre”, legere, “colher, escolher, ler”. A inteligência é um apanhado de dados que entram em nossa mente, e estes dados ou códigos, se assim o quisermos, são processados segundo nossas escolhas, pois nós definimos aquilo que nos convém ou não, no que tange a busca do aprendizado!

Os riscos de nos fecharmos no conhecimento experiencial:

Ao afirmarmos que o conhecimento de Deus se dá por via experiencial e não intelectual pode fazer com que tenhamos em nosso meio lideres preguiçosos, embora seja verdade que a experiência tem primazia no conhecimento de Deus, faz-se necessário reconhecermos que se somos dotados de inteligência, e ainda, se somos letrados, o não empenho no aprimoramento do conhecimento de Deus é injustificável.

Seríamos então semelhantes aos carismáticos (“Pneumatikói”) da comunidade de Coríntios, que se consideravam superiores aos demais cristãos por serem portadores dos carismas, se julgavam superiores ao pecado, ou mesmo, inatingíveis. Proceder no conhecimento é um dever, Deus se faz palavra (Jo 1, 14), o Espírito ilumina e inspira a tradição e o magistério, dando sustentabilidade a Igreja (Mt 16, 18).

Não nos estranha o fato de termos em nosso meio lideres que consideram desnecessário o estudo, a formação, pois são assistidos pela revelação, “a palavra de ciência, a sabedoria, o discernimento dos espíritos” (1 Cor 12, 8-11). Não bastasse a pobreza de tal mentalidade, está vem tornando-se um discipulado, pois não lhe faltam adeptos.

Os riscos de nos fecharmos no conhecimento intelectual:

Se por um lado optar somente pelo conhecimento experiencial é deficitário, o contrário também o é, pois é altamente prejudicial uma evangelização de cunho puramente racional. O intelectualismo é uma vertente forte na Igreja, ela criou homens brilhantes, nas mais diferentes áreas do conhecimento humano, desde as ciências exatas às humanas. Um antigo adágio da Igreja se sobressai nestes homens: “teologia se faz de joelhos”. São homens de oração, reflexão, mas também de pesquisa de estudo.

No que tange a nossa experiência como comunidade Javé Nissi, a formação é uma vertente forte, marcante em nosso meio, e esta tem por pano fundo o empenho intelectual, se não de gabinete, ao menos de empenho, amor e dedicação por parte daqueles que dirigem o povo.

A guisa de conclusão:

Duas faces de uma mesma moeda, eis a questão em cheque; não é possível um autêntico relacionamento com Deus sem uma experiência, um encontro pessoal com Deus. Este encontro potencializa no ser humano aquilo que ele tem de melhor, a experiência de Deus ilumina e direciona o agir humano em sua espiritualidade, bem como na sociedade. A experiência de Deus é necessária e fundamental no conhecimento de Deus, não sendo um fim em si mesma, antes, trata-se de uma abertura para o engendrar de uma vida reflexiva e intelectual.

Urge que tenhamos uma equipe de reflexão, pesquisa e produção de textos, textos estes que tragam o sabor de uma pesquisa séria, e que ao mesmo tempo sejam feitos em linguagem acessível; o mesmo espera-se das formações de via oral, ou seja, pregações de conteúdo, porém inteligíveis para todos que a escutam.

Rezemos com o Santo Doutor:

Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Estavas dentro de mim e eu estava fora, e aí te procurava. Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Mas Tu me chamaste, clamaste e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste e curaste a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz (Agostinho).

[1] Membro Consagrado da Comunidade Javé Nissi. Licenciado em Pedagogia pela ULBRA e Graduando em Teologia, 7º Período, FACAPA.

[2] Acesso: 09-01-14. http://arqrio.org/formacao/detalhes/31/cre-para-compreender-compreende-para-crer.

[3] http://www.agostinianos.org.br/visualizacao-de-artigos/pt-br/ler/86/fe-e-razao-em-santo-agostinho

[4] MORIN, Dominique. Deus Existe. São Paulo, Loyola, 1995.


 

Autor:

Comunidade Javé Nissi

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