Espírito Santo em Cristo

Espírito Santo em Cristo

Matias Josef Scheeben

Compilador: Padre Frei Fuchs- svd Scheeben, conhecido teólogo espiritual do século XIX, como Santo Alberto Magno, faz uma abordagem afetiva de deus como fonte da vida interior. Deus penetrou na criação para eleva-la à partição em sua própria vida. Da própria existência, Scheeben suscita a reflexão que obriga a olhar para a luza que brota de Deus.

1. Cristo, o Ungido

Os santos padres dizem que Cristo está ungido por meio do Espírito Santo, já que este mora na palavra, da qual procede, e assim desceu com ela à humanidade de Cristo como o eflúvio e fragrância da unção, que representa o símbolo da palavra. A fonte da unção somente pode ser Deus-Pai, porque só Ele comunica ao Filho a dignidade e natureza divinas.

Somente Deus pode unir uma alma (que é um espírito e está imediatamente criada por Deus) com o corpo, para formar um ser humano e infundir-lhe assim a vida natural.

É mais divino que o Espírito Santo se una com a alma do homem por meio da graça, porque somente Deus pode obsequiar a alma (que Ele criou) com a vida divina, por meio de um ato de graça inteiramente extraordinário e sobrenatural.

Porém o mistério é ainda infinitamente maior, quando a segunda pessoa da divindade, a palavra divina, toma carne, faz-se homem. Então Deus não dispõe de algo finito, como a alma humana, senão que comunica seu próprio ser, infunde a Deus na humanidade de Cristo. Como Deus aqui procede para fora, não atribuímos ao Pai a encarnação, senão a toda a Trindade.

A palavra flui tão intimamente para a humanidade de Cristo, que esta passa a ser uma só pessoa com a palavra, a pessoa da palavra. Como o Espírito Santo não pode ser separado da palavra, também o Espírito mora com a palavra na humanidade de Cristo. Se comparamos o Pai com a oliveira, o Filho com o fruto e o Espírito Santo com o óleo que sai do fruto e serve aos homens para conforto e unção, temos um símbolo muito oportuno para a unção de Cristo por meio do Espírito Santo.

Assim Cristo é realmente um filho do óleo, como se chama em Zac 4,14 aos protótipos Zorobabel e Josué, segundo uma tradução antiga.

Posto que o Filho de Deus tampouco pode separar-se do Pai — que é a última causa que tudo domina —, também o Pai com o Filho e o Espírito Santo mora em Cristo.

O fato de que Cristo esteja ungido pelo Espírito Santo, significa mais ainda que a mera inerência do Espírito Santo em Cristo. Os santos padres atribuem também ao Espírito Santo a encarnação, e o fazem pelas seguintes razões:

  • A encarnação procede do livre e superabundante amor de Deus, que quase sempre é atribuído ao Espírito Santo.
  • O Espírito Santo procede também do Filho. Não é nenhum sinal de indigência que o Filho seja unido pelo Espírito Santo com a humanidade, senão que a palavra toma carne graças à plenitude de vida e força que ela mesmo manifesta no Espírito Santo.
  • O Espírito Santo procede do Pai e do Filho; portanto, é conveniente que precisamente ele una Deus com o homem. Assim como ele é o laço coroador entre o Pai e o Filho, também é o laço de amor entre Deus e a criatura; neste caso a humanidade de Cristo.
  • Assim como no homem a palavra de seu espírito se une com a palavra de sua boca por meio da respiração, de um modo similar a palavra divina se une com a humanidade de Cristo e se torna visível na terra. Assim como em nós a respiração leva para fora a palavra interior, assim também o alento de Deus, o Espírito Santo, que une a palavra eterna com a humanidade de Cristo, e nos faz visível.
  • Deus uniu alma e corpo no primeiro homem, soprando sobre ele com o alento sua vida divina. Assim também Deus exalou a palavra eterna na humanidade de Cristo. Que outra coisa é o alento, o hálito de Deus, senão o Espírito Santo?
  • Mediante a encarnação, Deus se comunicou na forma mais sublime a uma criatura, a quem divinizou, santificou e agraciou em sumo grau. Não são sempre atribuídas ao Espírito Santo tais ações de Deus? J

Se no santo batismo é infundido o Espírito Santo em um homem normal, é ungido também com o Espírito Santo; contudo, esta unção se diferencia fundamentalmente da unção de Cristo. Deus se comunica a ambos para aperfeiçoar sobrenaturalmente sua natureza espiritual. Em nenhum dos dois a unção é essencial ou necessária, senão uma graça de Deus livremente outorgada. Porém quando a humanidade de Cristo foi ungida, toda a humanidade de Cristo foi aperfeiçoada em uma medida tal, que a natureza humana de Cristo divinizada forma com a natureza divina da palavra eterna somente uma pessoa, a pessoa da palavra.

2. Cristo, nosso mediador

Cristo é enviado pelo Pai a nós como o verdadeiro e perfeito mediador. Ele nos transmite a salvação de uma fonte que não flui fora dele, senão nele. Cristo nos obtém desta fonte ao Espírito Santo que ele possui como seu próprio espírito. Contudo, Cristo é Filho de Deus, que recebeu do Pai o Espírito para comunicá-lo a nós.

Quando um homem vem a ser filho de Deus por meio da graça santificante, e o Espírito Santo mora nele, suas ações adquirem mais valor ante Deus. Cristo tem todos esses dons, e ademais está ungido com o Espírito Santo. Sua humanidade está unida pessoalmente com a graça in-criada, com a palavra divina. O Espírito, que está na palavra, santifica todas as ações de Cristo. Suas virtudes estão aperfeiçoadas pelo Espírito Santo, já que Cristo está ungido pelo Espírito Santo para ser Deus feito homem. Seus atos são divinizados, possuem urna dignidade, glória e santidade divinas. Se este Cristo comparece ante o Pai celestial como nosso redentor, como nosso mediador, seus atos e seu sacrifício têm então um valor infinito no Espírito Santo; por conseguinte, Cristo também é apto para reparar a infinita culpa do gênero humano. Uma mera criatura, por muito intimamente que esteja unida com Deus, não pode ser nosso mediador ante Deus, já que suas ações nunca podem ter um valor infinito.

Cristo, nosso mediador, nos penhora ante Deus, com o qual por ambas as partes se fundamenta e assegura a inalterável e mais íntima e sublime amizade e amor. Tertuliano chama a Cristo simplesmente a custódia da prenda entre Deus e o homem. Porém a prenda não é mais do que o Espírito Santo. Deste modo, Deus nos regala em seu Filho o mais valioso e doce que Ele possui, o espírito do seu coração. Deus-Pai também há de amar a natureza humana de Cristo, como pertencente a si mesmo, já que esta natureza humana leva o nome de seu Filho e cobiça a seu Espírito como prenda. Esta prenda valiosíssima faz que nós, pobres homens, esperemos conseguir a herança dos filhos de Deus, como também confiamos que nosso Pai nos encherá de sua própria vida, porque tem reconhecido como própria a natureza humana no Filho por meio do Espírito Santo.

3. Espírito e Sangue

A idéia do sacrifício de Cristo faz penetrar suas raízes mais profundas até os abismos da Santíssima Trindade. Assim como a encarnação continua e prossegue a eterna geração para fora, e só assim pode ser entendida, Deus feito homem devia sacrificar-se e entregar-se para expressar aquele amor divino, por meio do qual Cristo corno Filho de Deus exala e transmite ao Espírito Santo. Por meio de seu sacrifício, Cristo mostra, da forma mais sublime, o amor que ele como Filho tem ao Pai. “Para que conheça o mundo que amo ao Pai e que obro conforme o Pai me mandou, levantai-vos, vamo-nos daqui” (Jo 14,31). t

Assim como o Pai e o Filho transmitem ao Espírito Santo todo o sangue de seu coração e se oferecem a ele como prenda de seu amor infinito, assim também a palavra divina em sua humanidade quis derramar todo o sangue de seu coração até às últimas gotas, para mostrar dignamente sua perfeita entrega a seu Pai. Por meio deste sangue, o Espírito Santo vivificou a humanidade de Cristo, já que o sangue dos viventes está no organismo. O sangue de Cristo foi penetrado, sazonado, santificado pela suavidade do Espírito Santo. Assim pôde na cruz subir ao Pai com suave fragrância. O Espírito Santo o oferece, facilita o sacrifício; é o amor sacerdotal na liturgia da Cruz; é o anjo que eleva o sacrifício ao altar de Deus. No cânon romano, depois da santa transubstanciação, oramos dizendo: “Nós te pedimos humildemente, Deus Todo-Poderoso, que esta oferenda seja levada à tua presença, até o altar do céu, pelas mãos de teu anjo” (cf. Hbr 9,14). O Espírito Santo impulsionou o Salvador para o sacrifício e apresenta ao Pai o sangue oferecido em sacrifício. A palavra e o Espírito rendem homenagem ao Pai no sangue do cordeiro.

Assim, pois, o sangue derramado por Cristo se converte na prenda real e no santíssimo sacramento para a efusão do Espírito Santo: o Pai e o Filho nos comunicam no Espírito, por assim dizer, seu mais interno vigor. O sangue de Jesus, com sua virtude purificante, inflamante e vivificante, não é o sacramento das graças que o Espírito de Deus produz em nós? E não se forma também do sangue do coração do redentor o corpo místico e a esposa corporal de Deus feito homem, a Igreja, por meio do vigor do Espírito que mora nele, de uma maneira semelhante como do coração do Pai e do Filho brota seu espírito e companheiro nupcial?

Por isso a devoção ao sacratíssimo coração de Jesus, ao altar do amor divino, está estreitamente enlaçada com a devoção ao Espírito Santo como representante divino deste amor. Penetremos profundamente no mistério do coração divino e do Espírito Santo, especialmente em nosso tempo in­diferente e frívolo.

O sangue do coração de Cristo é assim o laço entre Deus e o mundo, no qual se juntam o céu e a terra, como na Trindade o Espírito Santo, por ser a emanação da mútua entrega do Pai e do Filho, é o eterno laço que une ao Pai e ao Filho entre si e também com as criaturas.

O derramamento do sangue de Cristo e a vinda do Espírito Santo são apresentados na sagrada escritura de uma forma muito similar. Comparem-se somente os seguintes textos da sagrada escritura:

  • Hbr 12,22.24: “Vós haveis chegado… a Jesus, mediador de uma aliança nova, e da aspersão daquele sangue que fala melhor que o de Abel”, e Rom 8,26: “.. .o espírito mesmo advoga por nós com suspiros inenarráveis”. Em muitos textos: “… o sangue da aliança e da herança…” e em Ef 1,14: “… o Espírito é prenda de nossa herança”.
  • 1Pdr 1,2: “…eleitos… para, mediante a santificação do Espírito … serem aspergidos com o sangue de Jesus Cristo”, ou Ef 1,13: “… haveis sido selados com o selo do Espírito Santo prometido”.
  • Jo 6,55: “…meu sangue é verdadeira bebida”, e 1Cor 12,13: “… a todos se nos tem dado a beber um mesmo espírito”.
  • Ef 2,13: “Porém agora, incorporados a Cristo Jesus… fostes aproximados pelo sangue de Cristo”, e Ef 2,18: “… por meio dele temos os dois (judeus e pagãos) acesso ao Pai em um só espírito”.
  • Hbr 9,22: “.. .sem efusão de sangue, não há remissão”, ou Apc 22,14: “Bem-aventurados os que lavam suas túnicas” (no sangue do cordeiro), e l Cor 6,11: “fostes lavados… pelo espírito de nosso Deus”.

O sangue de Cristo é o sangue do cordeiro; é doce, puro, mui suave e agradável a Deus, porque nele mora o Espírito Santo como a pura pomba que desceu sobre ele para mostrá-lo ao mundo como cordeiro de Deus.

A pomba divina inspira no sangue do cordeiro aquela maravilhosa suavidade e grande valor, por meio dos quais o sangue do cordeiro se converte no bálsamo que nos traz graça e paz.

O simbolismo da sagrada escritura nos põe sempre ante os olhos, de uma maneira substanciosa e consequente, as ideias mais profundas e ricas de nossa redenção e santificação.

4. Espírito e sacrifício

Assim como Cristo formou do seio da Virgem seu corpo e o acolheu em sua pessoa pela virtude do Espírito Santo, assim também renova este prodígio com a virtude do Espírito Santo por meio de cada transubstanciação do pão em seu corpo, e deste modo reproduz sem cessar sua permanente presença através do espaço e do tempo.

Como o Espírito Santo mora de um modo mui especial no corpo de Cristo, assim também se derrama nos que, por meio da Eucaristia, se unem com o corpo de Cristo para formar um só corpo. As antigas liturgias fazem ressaltar com clareza precisamente este ponto. A liturgia da Constituição Apostólica (antes do ano 400) diz assim: “… que nos enche o Espírito Santo”. A liturgia de São João Crisóstomo: “…que nós, os que participamos na eucaristia, venhamos a ser a comunidade do Espírito Santo”. A liturgia de São Basílio: “… que todos nós estejamos mutuamente unidos para formar a comunidade do único Espírito Santo”.10

No holocausto da Santa Missa, o fogo espiritual do Espírito Santo produz a vítima. Simultaneamente apresenta a Deus-Pai celestial por meio da representação do sacrifício da cruz e funde a Igreja imolante com o eterno holocausto do cordeiro.

No sacrifício da eucaristia, o espírito de Deus que mora em nós, e que também é o espírito de Cristo, nos une em um só espírito. Porém, como o Espírito de Cristo sopra em seu corpo, temo-nos de unificar com este corpo para receber nele o espírito e a virtude que nele vive e atua.

Nossos sacrifícios externos carecem de valor se nosso coração não pensa em imolar-se ao Pai com Cristo. Estes pensamentos evocam em nós o sacrifício da carne de Cristo; este sacrifício nos dá força para sacrificar nossas almas a Deus e levá-las ante seu -trono como sacrifícios dignos e aromáticos. Deve perfumar nossas almas com o aroma do Espírito Santo, pelo que a carne e o sangue de Cristo está recebida e cheia.

Nosso sacrifício deve chegar a ser espiritual, porque deve ser impregnado, possuído e purificado pelo Espírito Santo, deve ser apresentado a Deus. Somente o sacrifício espiritual da carne de Cristo pode levantar nosso corpo no Espírito Santo e por meio do mesmo sobre todos os limites e defeitos da matéria e da carne.

O Espírito Santo, unido essencialmente como o Espírito do Filho com o Corpo de Cristo, vem com este corpo a nós e se une conosco e se nos dá em propriedade. Como o alento da vida divina e do amor, e assim mesmo como prenda e selo de nossa filiação e de nossa unidade com Deus, o Espírito Santo se derrama nos membros do corpo místico de Cristo: o sangue brota do coração a todo o corpo.

O vinho é símbolo do sangue — sangue das uvas — e nos representa ao Espírito Santo com seu ardor de fogo, sua fragrância intensa e ao mesmo tempo agradável, sua força que restaura e vivifica. Sua procedência é uma ema­nação do coração do Pai e do Filho; seu envio a nós, os homens, é uma efusão; em si mesmo é fluxo e fragrância da vida divina. O Espírito de Deus é para nós o vinho do amor fervente que restaura e conforta, embriaga e faz ditoso. Este vinho brota eternamente da palavra divina como da uva divina. Este vinho-sangue é espremido do coração humano do Salvador com a força de seu amor na cruz, é derramado sobre todo o mundo e é infundido nos corações de todos nós.

O Espírito Santo, como hálito amoroso do Filho, impulsiona ao Filho a entregar-se na encarnação e na eucaristia. O Corpo de Cristo dimanado do fogo do Espírito Santo como um dom espiritual, é oferecido a nós por Deus-Pai, e o apresentamos de novo como sacrifício. Este corpo o penetra, transfigura e espiritualiza o Espírito Santo de tal forma que ambos — como o fogo e o carvão — parecem ser uma só coisa. Este corpo extravasa de Espírito Santo, cuja fragrância solta este corpo no sacrifício e cuja força vital a derrama em nós, se se nos oferece como comida.

O nome de “eucaristia” — o bom dom — também assinala ao Espírito Santo, o qual está dando a existência e produzindo o supremo dom. Todos estes pensamentos misteriosos estão indicados de um modo esquisito na forma do sacrário da antiga Igreja, que como símbolo do Espírito Santo, tinha a forma de pomba. Nele estava contida a eucaristia entre os atos de culto.l4

5. Espírito e testemunho

Jesus testemunha sua divina essência remetendo-se a seu Pai celestial e a suas obras neste mundo. Sela este testemunho com seu sangue e fala de que esta certificação divina de seu testemunho será ainda aperfeiçoada depois de sua ressurreição: promete o Espírito Santo que descerá e provará sua divindade com milagres espirituais e visíveis.

Cristo enviou pela primeira vez o Espírito Santo depois de subir ao céu, porque então estavam consumadas sua própria dignidade e bem-aventurança, e no céu devia reinar por toda a eternidade sobre todas as criaturas como chefe perfeito, devia estar sentado à direita do Pai como mediador poderoso, e devia distribuir suas graças às criaturas como rei supremo. Quando envia o Espírito Santo, demonstra que o envia com uma solidariedade total com o Pai. O Espírito Santo pode testemunhar que Cristo vive e atua para sempre. Também nos prepara para as graças que necessitamos como discípulos separados ainda de Cristo aqui neste mundo. Estas graças, delas necessitamos para tender ao céu e ser presos ao Cristo com amor celeste e espiritual, a fim de que mais tarde, juntamente com Ele, desfrutemos no céu do triunfo e esplendor da eterna glória.

Comunidade Javé Nissi

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