Parternidade

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O dia dos pais

O Dia dos Pais é sempre um momento propício para refletir sobre a paternidade que anda tão em  crise ultimamente. Na verdade, a ausência ou o vazio da figura paterna é um dos grandes problemas da humanidade hoje. E talvez um problema ao qual não se presta suficiente atenção.

Enquanto abundam os estudos sobre as consequências da privação do cuidado materno, não é dito o bastante sobre os efeitos devastadores da falta da figura paterna, que faz tanto ou mais vítimas que a primeira. Algumas doenças atuais como anorexia, bulimia, toxicodependência, que estão dizimando as últimas gerações de filhos, podem ser vinculadas diretamente a esta realidade. Também o aprofundamento de fenômenos, tais como o neonazismo e outras formas de delinquência juvenil reconduz ao vazio de uma figura masculina positiva, conectada com uma paternidade forte. Desde um ponto de vista psicanalítico, estar privado do pai equivale a estar privado da espinha dorsal.

Somos a geração da emancipação sob todas as formas. Mas é ao mesmo tempo uma geração de filhos sem pai. Esta realidade apresenta graves consequências. Deixou caminho livre nas sociedades mais avançadas ao crescimento de seitas e fundamentalismos. A falta do pai nas instituições de base, como a família, repercute na estrutura política pelo avanço dos sistemas totalitários e da emergência das “figuras carismáticas”, nas quais pode-se ler, em nível simbólico, a busca daqueles atributos paternos que são o ser juiz, protetor etc. e que empalidecem no vácuo da paternidade que marca nossa sociedade.

Para nós, cristãos, Pai é o nome próprio de Deus. Reconhecer o Pai, carregar o nome do Pai, buscar a proteção e o amor do Pai em nosso dia a dia é reflexo da experiência primordial da fé que professamos, que nos diz que Deus, o Deus em quem cremos, não é uma ideia, um absoluto sem nome e sem contornos, ou uma muleta da qual lançamos mão nos momentos difíceis. Trata-se d´Aquele que Jesus de Nazaré ensinou a chamar de Pai.

Embora a paternidade do Pai seja um dom para toda a humanidade, é no Cristianismo que a nomeação de Deus como Pai toma lugar de forma central. Crer no Pai implica conhecer o Filho, que é quem o revela, e abrir-se à presença do Espírito que conduz ao Pai por mediação do Filho.

É essa fé num Deus que é Pai que nos une como cristãos. Embora divididos em diversas igrejas, vivemos uma só fé: cremos em Deus-Pai. A humanidade é rica em raças, povos, nações, religiões, culturas. A grande maioria da humanidade, mesmo sem a consciência cristã, trabalha por causas éticas, pela edificação da grande família humana, vive o amor fraterno, a justiça social, a busca da verdade, a luta pela paz, a defesa dos direitos humanos. A fé, porém, permite identificar Deus Pai como fonte e origem de toda essa diversidade.

Cremos que Ele é o criador de todos os povos e culturas. É o Pai da grande família humana. Ninguém está fora do alcance de sua vontade salvadora, de seu amor paterno, de sua graça. Sendo Pai de Jesus Cristo é, através dele, Pai de todos os seres humanos. Jesus é o Filho sobre o qual o Pai derrama todo o seu amor. Reparte, porém, sua filiação divina, não somente com seus discípulos, mas com toda a humanidade. Temos, em Cristo, um só Pai da grande família humana!

Mergulhados em dolorosa orfandade, vítimas da pobreza, da violência, da marginalização e da indiferença, muitos não fazem sequer a experiência positiva de um pai humano, quanto mais do Pai divino. Por isso tanto sofrimento, tanto dilaceramento, tanta desorientação em vidas que não tiveram a figura paterna para norteá-las e orientá-las. E por isso também a dificuldade de experimentar um Deus que dê sentido à vida e organize o mundo.

Embora Deus seja Pai de todos, muitos não o nomeiam assim porque não o conhecem. Eis por que o Evangelho é boa notícia. Anuncia e comunica a todos que Deus é amor, e amor de Pai. Amor tão grande que é de Pai com jeito de mãe. Pai que não se exclui – como quer a mentalidade machista – das funções que são próprias da mãe: alimentar, consolar, cuidar, acarinhar. Pai que troca fraldas, que dá mamadeira, que faz dormir quando o escuro da noite ameaça e explode em desamparado choro. Pai que toma nos braços, que põe no colo, que embala e canta cantigas de acalanto.

Mas é o Pai também quem ensina o caminho do bem e da justiça, que corrige os rumos e sabe introduzir o princípio da realidade quando o filho embarca em viagens desastrosas ou em perigosas aventuras, quando a sociedade regida unicamente por um desordenado princípio do prazer quer cooptá-lo em suas voragens. Pai ensina que o que importa na vida não é o dinheiro, o êxito, o poder. Mas a responsabilidade. E esta implica dar de comer ao faminto, de beber ao sedento, vestir o nu, abrigar o errante, visitar o doente ou o encarcerado.

A esses e essas Jesus ensina que ouvirão no final de suas vidas: “Vinde benditos de meu Pai”. São benditos por estarem sintonizados com a paternidade divina, que assume amorosamente a responsabilidade e o cuidado dos que não têm quem os auxilie. São benditos porque caminham ao encontro dos outros para auxiliá-los e redimi-los.

Que sejam benditos os pais no seu dia. Sobretudo os pais que amam seus filhos e os orientam por esses caminhos. Aos filhos desses pais, Deus mostra Seu rosto paterno e bondoso e os recebe na alegria da vida em plenitude.

 

Maria Clara L. Bingemer

Graduada em Comunicação Social

Mestre em Teologia pela PUC-Rio

Doutora em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.

Professora de Teologia da PUC-Rio

Decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

Fonte: amaivos.uol.com.br/

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