Batismo no Espírito Santo – Algumas reflexões

Batismo no Espírito Santo – Algumas reflexões

Reflitamos um momento sobre esta última citação que diz de modo muito claro como o batismo no Espírito é hoje entendido por muitos adeptos do movimento pentecostal e, na minha opinião, mostra também como pode ser entendido. Quem não é norte-americano sente logo desconfiança dessa “rapidez” do dom do Espírito Santo.

Na terra do instant breakfast e do instant chicken dinner, serão também os carismas “prontos para servir”? As sixty seconds conversions (“conversões em sessenta segundos”) dos grupos do Jesus’movement aumentam esta desconfiança. Em face disso, deve-se recordar, antes de mais nada, que aqui não se trata de uma maturidade imediatamente concedida, mas de um carisma que conduz à maturidade e à santidade. Não se trata duma “santificação instantânea”.

O mais importante, porém, é que há nisso um sério esforço por evitar toda magia. Cada dom de Deus torna-se possível somente pela nossa abertura (mas o contrário também é verdade). O dom deve ser implorado, não somente pela comunidade circunstante (com ou sem imposição das mãos), mas também e, sobretudo pela pessoa que espera recebê-lo. E’ preciso que haja um desejo expresso e uma abertura total. Estas idéias levaram o movimento carismático católico da América do Norte a fazer preceder de mais ou menos seis semanas de instrução e oração o pedido expresso do batismo no Espírito Santo. Suponho que haja práticas semelhantes em outros grupos. Naturalmente, tentações relacionadas com algum carisma recebido anteriormente sempre continuarão, mas fato é que elas estão também relacionadas com uma “santidade amadurecida”.”

Outra dificuldade é a questão se, na realidade, é possível coexistirem uma vida cristã ainda não inteiramente amadurecida e uma vida mais fervorosa de oração, mais interior, e, portanto, mais saída das profundezas da pessoa. A isso podemos responder, em primeiro lugar, que se não nos iludimos (oferecendo, portanto, margem a possíveis pseudo-carismas), tal coisa realmente acontece.

Em sua primeira Carta aos Coríntios, Paulo reconhece os dons com que eles foram ricamente agraciados em Cristo (1,6), enquanto, de outro lado, qualifica de carnal e pueril o procedimento deles (3,1-4). Que tal coisa não seja impossível, torna-se talvez mais claro, se nos lembramos de que carismas e virtudes têm suas profundas raízes no homem e, todavia, não se situam totalmente no mesmo nível. Os carismas se apoderam de nossa pessoa corporifiçada; parecem-me firmemente enraizados em o nível do nosso inconsciente e da nossa corporalidade, que ainda não foi completamente incluída em nossa liberdade e por esta ainda não é controlada. Podemos incluí-los na categoria de nossa natureza espiritual-corporal, que é anterior à nossa pessoa.

As virtudes, ao contrário, são a resposta que procede da nossa própria pessoa livre. Um exemplo concreto do nível inter-humano é a diferença entre um amor apaixonado e um amor amadurecido. Um amor apaixonado ainda não é o amor que não se deixa decepcionar; é, porém, um convite insistente a este amor. Assim também a oração infusa não é ainda um amor amadurecido a Deus (no qual se inclui o amor ao próximo), mas convida insistentemente ao amadurecimento. Por isso, não está fora de propósito a comparação entre a oração infusa e o amor apaixonado, pois a oração infusa se origina, quando alguém se deixa dominar por uma a traça o que é, ao mesmo tempo, “sensível”: a profunda humanidade de Jesus, a liberdade e a alegria que ele manifestamente proporciona a outros em seu Evangelho e no seio duma comunidade, etc.

Quem julga que há “sugestão” nisso, deve saber que em todo arroubo humano existe algum elemento de sugestão. O critério para se saber se uma sugestão é legítima é verificar se ela abre o caminho para a verdadeira liberdade e o verdadeiro amor, o que se manifesta na reconciliação, na integridade e numa profunda paz (ao contrário duma tranqüilidade superficial: Cf. Fl 4,7).

Se é que podemos comparar o dom da oração do batismo no Espírito Santo com o amor apaixonado, surge, então, uma nova questão, que tem importância para o movimento pentecostal e para a nossa apreciação desse movimento. O amor apaixonado passa; todo matrimônio e toda amizade atravessam uma noite escura em que não falta a tentação da separação, mas em que também deve justamente amadurecer o amor no mais íntimo da pessoa.

Os escritores espirituais nos alertaram amplamente sobre o deserto da aridez espiritual; para João da Cruz todo o nosso caminho espiritual passa através da noite e só se percebe a aurora. Jesus foi tentado depois do seu batismo, os seus discípulos podiam levantar tendas no monte da Transfiguração, mas, depois, tiveram que ouvir as predições acerca da paixão; Paulo avisa seus novos cristãos “que por muitas tribulações nos importa entrarmos no Reino de Deus” (At 14,22). Também entre os pentecostalistas se alerta sobre as tentações inerentes à sua situação. Uma delas é a de procurar e pretender conservar o primeiro dom da oração por causa dele mesmo. Josephine Massingberd Ford diz uma “palavra de sabedoria” a respeito do esforço por despertar cada vez a “oração sensível” por meio de canto, de música de violão e de palmas. Com isso pode alguém se fechar à direção do Espírito que, através da aridez, leva à oração de repouso.

A Dra. Ford fala de acordo com as advertências de Santa Teresa e de São João da Cruz. No seu artigo na Spiritual Life segue um outro, de uma carmelita, o qual forma uma unidade dialética com o artigo anterior. Esta monja mostra que a atitude negativa destes santos em relação às manifestações emocionais de piedade foi determinada pela situação histórica deles e que em não poucas passagens, sobretudo de Santa Teresa, a devoção sensível e sua expressão são consideradas preciosas. Desta forma, os pentecostalistas e os adeptos da espiritualidade carmelita têm algo a aprender uns dos outros. De um lado, a oração infusa não precisa esperar pela maturidade espiritual, mas, de outro lado, ela se modifica com a nossa maturidade e convida, justamente por isso, a um amadurecimento ulterior. Voltando ao meu exemplo: com o crescer do amor pessoal não desaparece propriamente o amor apaixonado, como não é necessário que desapareça, com o crescer dos anos, a beleza de uma mulher. Ambos mudam, mas de tal forma que poderá haver ternura também para com cabelos brancos e rugas. Assim também não é necessário desapareça a oração infusa, mesmo quando desapareçam as línguas e as lágrimas. Também o esperar em aridez pode ser um carisma (se for unicamente uma proeza, parece-me sem mérito algum), pode ser uma conseqüência do batismo no Espírito Santo.

Resta ainda uma última palavra a dizer a respeito deste batismo e de toda a linguagem religiosa dos pentecostalistas. Eles colocam em grande destaque o livre dom de Deus, O batismo é obra do Espírito; quem batiza é o Senhor; não é obra do homem. Afirma J. Rodman Williams: “O Espírito vem sem e com forte impacto”. E Clark assevera: “Sempre me dei conta de que a experiência do Espírito Santo para os primeiros cristãos e para os grandes santos era algo mais que somente um interpretar como obra do Espírito o que lhes acontecia. Era uma experiência nítida, verificável”.

Que poderá dizer hoje um teólogo sobre essa experiência da ação de Deus e sobre todas essas afirmações pentecostais, segundo as quais “o Senhor” é quem faz tudo? A resposta a esta pergunta mostrará que este artigo não só tem algo a ver com o livro em que se encontram tais afirmações, mas ainda com aquele a quem o livro foi dedicado. Meu colega Schilebeeckx, num artigo em De Bazuin, mostrou-se um tanto chocado com o fato de que os pentecostalistas vêem Deus a agir em toda parte. No entanto, o mesmo Schille-beeckx pergunta, na Tijdschrift uoor Theologie, se é verdade que Deus age unicamente através das criaturas. É uma pergunta que me poderia ter sido feita, nomeadamente em referência ao meu estudo God of mens, een vals dilemma (“Deus ou o homem, dilema falso”). Nele demonstrei que Deus sempre age, fazendo agirem suas criaturas, inclusive no que se refere aos seus dons. De outro lado, esforcei-me por deixar claro que Deus tem a iniciativa em tudo isso, e que, propriamente falando, ele é a iniciativa. Não julgo ter sintetizado inteiramente com a primeira afirmação esta última.

Falando sobre a graça, afirmo isto: que ela não é unicamente concedida através de outras pessoas, mas é também concedida diretamente a uma pessoa, a fim de que esta possa ser mediadora dela para outros. Schíllebeeckx fala algures de um “imediatismo mediado”; eu gostaria de acrescentar: imediatismo que conduz à mediação. Deus nunca está ao nosso lado, como se fosse mais um entre nós. A sua ação não  é concorrente, não elimina  a nossa nem a substitui. Contudo, a ação de Deus deve ser concebida como “anterior” (embora não em medida de tempo) ou, em categorias mais pessoais, como assistindo, dando e chamando. “Deus nos dá a nossa atividade como sendo a nossa própria”, diz Schillcheeckx. Vice-versa, também a nossa própria atividade é dom de Deus. Na obra de Rodman Williams isto é formulado de maneira quase sempre muito feliz.

Quereria acrescentar que o homem, nesse caso, não realiza uma parte ou um aspecto (o falar, o agir) e o Espírito Santo a outra parte, ou o outro aspecto (a linguagem, a mensagem, o dom de curar). Não. É verdade que tudo é do homem, mas nesse homem a “força ativadora” é o Espírito; é ele quem desperta no homem novas possibilidades que são do próprio homem. Esta é uma interpretação; não é, porém, uma interpretação “exata”, pois em toda interpretação que diz respeito a Deus há qualquer coisa de uma experiência como fundamento, seja muito embora na forma duma “intuição implícita”. Contudo, essa experiência obscura podo tornar-se uma recognizable experience. Estou convencido de que, em muitos pentecostalistas, a experiência do batismo no Espírito Santo é autêntica, de que o Espírito realmente lhes fala ao coração e faz as pessoas serem mais pessoas, embora, com isso, eu não exclua, mas inclua fatores humanos, psicossomáticos. Creio que os pentecostalistas podem fazer-nos outra vez conscientes da ação de Deus, ainda que, ao reencontrar qualquer coisinha que havia perdido, eu não diga: “Louvado seja Deus!” Falando de modo geral: é justamente pela desmitização da linguagem do movimento pentecostal que o teólogo poderá tornar-se sensível ao que, através desse movimento, o Espírito diz às Igrejas (e a ele mesmo).

Autor:  Tácito Coutinho – Tatá – Ministério de Formação Paulo Apóstolo


Piet Schoonenberg

Texto publicado originalmente em: “A Experiência do Espírito” – Editora Vozes, 1979 – como homenagem ao teólogo Edward Schillebeeckx.

Piet Schoonenbeerg s.j. – proeminente teólogo holandês (que manteve uma discussão bastante conhecida com o então teólogo Walter Kasper a respeito da cristologia) nos apresenta uma reflexão sobre o tema central do 2º Congresso Teológico Pastoral da RCC a ser realizado de 14 a 17 de setembro próximo.

O artigo deve ser considerado no contexto do nascimento da Renovação Carismática Católica e da recepção do Concílio Vaticano II.

Tradução de J. B Michelotto, C.SS.R.

Comunidade Javé Nissi

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