Crise da Fé
Tácito Coutinho – Tatá
“Crise da fé” é uma das expressões de Bento XVI para descrever o momento que vivemos. Não é como uma crise em algum negócio que sofreu a retração de mercado e que com um reposicionamento de marketing pode ser resolvida. O fenômeno em curso na sociedade contemporânea, sobretudo no catolicismo, vai muito além. Entramos em uma era de descristianização, iniciada na Europa.
Os quinze ou vinte primeiros anos de 2000 viram o surgimento de uma geração que, no seu conjunto, perdeu a memória viva, o vínculo real com o patrimônio cristão. Armando Matteo, assistente eclesiástico dos universitários católicos, fala de uma “primeira geração incrédula” e não tem medo de afirmar que o “cristianismo está se tornando estranho aos homens e às mulheres do nosso tempo”.
Não devemos nos enganar com os grandes encontros ou as adesões ocasionais ao cristianismo. É uma pertença sem crença. Meramente sociológica, de ambiente, emocional, ao contrário da identificação formal e fé substancial típica de épocas anteriores. O sinal da atual “geração incrédula” se revela, exceto os grupos motivados, por meio de uma “surdez geral quando se fala de Deus, de fé, de oração, de comunidade” – idem. Uma atitude que supera em muito a escassa participação na missa e nos sacramentos.
Sofremos uma perda regular e contínua dos fundamentos culturais do cristianismo, dos ensinamentos, dos símbolos derivados das Sagradas Escrituras. O fenômeno se manifesta ainda na infância, a partir do momento em que a família não exerce mais um papel na transmissão primária da fé. Foram removidos, das suas raízes, conceitos como eternidade, criação, providência, destino escatológico. Paraíso e inferno pouco significam para um grande número.
Bento XVI, em “O sal da Terra” (Ed. Planeta), reconhece que hoje a ideia do sangue de Cristo como “resgate” dos pecados do homem corre o risco de não chegar mais aos contemporâneos. E mais, surge a dificuldade de propor o conceito de “verdade absoluta” devido ao relativismo dominante.
Passados os conflitos ideológicos do século XX, quando se contrapunham cosmovisões fortes, a novidade radical não consiste no aumento do ateísmo. A nova geração não se coloca contra Deus e a Igreja, mas “está aprendendo a viver sem Deus e sem a Igreja” – A. Matteo. A presença de Deus não é mais uma verdade individual e social. Acreditar em Deus é uma “possibilidade”.
As novas gerações respeitam algumas personalidades eclesiásticas e apreciam a Igreja quando indica horizontes de valores. Mas a separação da instituição é enorme, e a individualização das escolhas é máxima. Regras e crenças são submetidas a um mecanismo de seleção e de redução sobre os quais a Igreja não tem nenhum poder. Dogmas fundamentais – como a pessoa de Deus, a filiação divina de Cristo, a ressurreição, o além – assumiram uma fisionomia indeterminada.
A Igreja como um todo é percebida como antiquada. Grande parte dos conceitos teológicos são percebidos como imagens velhas. “Eles não acertam as contas com o que vivemos. Contam-nos uma história que não existe” – Castegnaro.
Mas existem sinais de recuperação. Tênues, mas consistentes. O continente africano, regiões da Ásia e da América do Sul sinalizam uma retomada dos valores cristãos. Na Europa há um renascimento entre a juventude, sobretudo nos “novos movimentos” e “novas comunidades”. Cresceu o interesse pela literatura católica e a academia começa a considerar a “crise de civilização” tem como uma de suas causas a “crise da religião”. Mas é longo o caminho de recuperação…