Se não perdoardes…
Pressupostos à conversa:
A questão do perdão é algo fundamental para o ser humano em todos os seus relacionamentos; contudo não é tão simples assim sua prática. Trata-se de uma necessidade existencial sem a qual o ser humano está fadado a infelicidade.
Todo o que se nega a perdoar, torna-se escravo de si mesmo e em si mesmo, ao se quer ouvir a voz o nome do individuo, razão de sua desavença, o que não perdoa traz a tona em seu coração, independente do tempo transcorrido do fato, a mesma dor, angustia, mágoa e ódio do dia do acontecido, é agora regado de reflexão, melhor dizendo, ressentimento. Mesmo que o sujeito causador da desavença já tenha falecido, permanece ainda vivo e vigoroso no coração do que não perdoa!
Mas o que seria o perdão? Ele é possível?
O perdão é a capacidade, “para nós cristãos a graça”, de ressignificar a ofensa de morte transformando-a em vida. É o ato de libertar-se a si mesmo e ao outro das cadeias da mágoa, do ódio e do ressentimento. É a graça de reparar um erro cometido ou sofrido, possibilitando uma nova luz sobre nossas atitudes, bem como uma nova compreensão, regada de misericórdia, acerca da falha dos irmãos, tornando-nos capazes de administrar os sentimentos e emoções, ordenando os fatos, considerando suas causas e consequências.
Não se trata de um ato mágico ou mesmo de um curso de memorização; e sim de uma prática, deum exercício constante, cuja academia para o treinamento é a vida, pois somos a todo instante colocados diante de incompreensões, falhas ora nossas, ora de nossos irmãos e convivas, bem como de acusações merecidas e imerecidas, assim sendo não nos falta oportunidade de praticá-los, e a negação dessa prática condicionará nossos relacionamentos, bem como nossa saúde psíquica e somática, considerando que diversas enfermidades têm por essa via suas causas, podemos apontar algumas delas: dor de cabeça, dores no estômago, na coluna etc.
O perdão é arte é a graça de permitir que o amor possa suplantar a dor. E o amor aqui não tem por fio condutor o sentimento, mas a ação (I Jo 3, 18). Tomemos a figura mais ilustre do perdão na história da humanidade: Jesus Cristo! Por amor assume nossa humanidade, anda por entre os homens fazendo-lhes o bem, curando as enfermidades, expulsando-lhes os demônios, reinserindo-os na sociedade, amando-os incondicionalmente! Este impressionante homem nada fez de mal, ao contrário, fez só o bem para todos os que dele se aproximaram, e ainda assim, foi morte injustamente, para nos justificar, e no momento onde deveria expressar com todo rancor e justiça sua ira, se volta para seus algozes, e suplica a Deus em favor destes dizendo: “Pai perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). A fé cristã nos ensina que Deus não sente amor, Ele é amor (I Jo 4,8). Se focarmos o amor como um sentimento de passividade, como muitos querem ver, não poderíamos de maneira alguma firmar que Jesus amou os fariseus, considerando a dureza e a veemência com que Jesus se dirigia e eles (Mt 23, 13-36). Não se trata de uma ausência de amor, antes é um amor em concretude, que não mede esforços, ainda que incompreendido, para orientar ao próximo os caminhos de sua realização, bem como a de todos os seus convivas (Jo 8, 1-11).
2.1 Perdoar é divino?
Por vezes se escuta a falácia: Perdoar é divino! Eu não perdoo; quem perdoa é Deus! Em partes esta fala é correta, partindo da premissa cristã. O ato ou a dinâmica do perdão funciona num intercâmbio de ação entre o homem e Deus. Se o perdão é o amor que suplanta a dor, a vitória do bem contra o mal, perdoar é divino à medida que somos tocados pelo amor de Deus (Rm5, 5), acontece em nós uma transformação interior, que chamamos de conversão, cuja convergência nos assemelha a Cristo. Só o amor de Deus tem poder suficiente para ressignificar nosso sofrimento, daí percebermos que a força e virtude por excelência dos santos é o amor.
Santo Agostinho chega a dizer: Ama e faze o que queres! Quando o amor de Deus penetra nossas vidas é impossível não direcioná-las para Deus. O amor é a fonte da conversão, pois devolve ao homem sua essência, revela-lhe o projeto original do criador a seu respeito. Jesus é o protótipo o modelo de todo o ser humano (GS 22). Ao olharmos para Jesus descobrimo-nos a nós mesmos, vemos n`Ele o homem por excelência, o ideal que devemos imitar e buscar alcançar.
O perdão é divino à medida que é humano. Dizem os padres da Igreja: “Deus se fez homem, para que o homem se tornasse deus”. Quando nos falta forças para perdoar é o momento oportuno para recorrermos ao Espírito que vem em auxilio de nossas fraquezas (Rm 8, 26). Perdoar é amar, onde não há perdão não existe amor!
2.2 Também o vosso Pai celeste nãos vos perdoará
A primeira vista o texto nos faz ver um Deus vingativo, ao estilo olho por olho e dente por dente. O pano de fundo, no entanto, é a boa nova do evangelho, novidade objetiva da ação salvífica de Deus. Jesus é o salvador do homem, aquele que nos abriu o caminho para plenitude nossa realização. Eu vim para que vocês tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10, 10b).
Não há pecado que Deus não possa perdoar! Então como podemos compreender estas frases? “Não há pecado que Deus não possa perdoar – Vosso Pai celeste não vos perdoará”.
Não tenho pretensão de fazer aqui uma exegese e nenhuma definição dogmática, antes tenho por pressuposto uma lectio divina; logo – não vos perdoará – consiste no fato de que ao negar meu irmão, nego também minha filiação, nego a mim mesmo, a paternidade de Deus a mim concedida por graça (Jo 1, 12; Rm 8, 15). Quem bem expressa isto é o Arcebispo Fulton J. Shen:
O inferno é a mente eternamente louca em si mesma por ferir o Amor. Quantas vezes durante a vida que você disse: ‘Eu me odeio’? Ninguém que tenha condenado você pode adicionar à consciência de sua culpa. Você sabia disso milhares de vezes melhor do que eles. Quando foi que você se odeia mais? Certamente não quando você não age de acordo com uma dica sobre o mercado de ações. Você odiou a si mesmo quando magoou alguém que você amava. Você mesmo disse: ‘Eu nunca posso me perdoar por fazer isso’. As almas no inferno se odeiam mais por ferir o Amor Perfeito. Elas nunca podem perdoar a si mesmas. Daí o seu inferno é eterno: o eterno rancor auto-imposto. Não “é que Deus não iria perdoá-las, mas sim, que elas não vão perdoar a si mesmas”.
Papa Bento XVI diz que o critério de Jesus é “a fé que atua pelo amor”. Podemos dizer que a fé é um caminho de reconciliação com Deus e com os irmãos, ao nos abrirmos a Deus experimentamos seu amor, sua bondade e misericórdia, e essa experiência nos faz reconhecer a todos como irmãos, e a partir daí não medimos esforço à reconciliação. O amor e o perdão são os dois lados de uma mesma moeda como signo de um autêntico Cristão!
A guisa de conclusão:
Se alguém disser: Eu amo a Deus, e odiar o seu irmão é um mentiroso. Porquê aquele que não seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? E nós temos de Deus este mandamento: Que aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão (I Jo 4, 20-21). O amor é o signo do Cristão (Jo 13, 35), por ele existimos, nele subsistimos!
Quanto mais nos abrimos ao perdão, mais livres seremos. O mandato de amor do senhor (Amai-vos uns aos outros como eu vos amei) tem por interesse a integridade do ser humano em todos os seus relacionamentos, logo estes mandamentos não são pesados (Mt 11, 28-30), ao contrário, realizam o ser humano, inserindo-o numa esfera de harmonia.
Exorcizemos as más intenções, o ressentimento, o desamor… Abramo-nos a vida nova que o Senhor alcançou por nós na Cruz!
Enchamo-nos do Espírito Santo! Fonte de amor e alegria!
Autor: Carlinhos Faria – Comunidade Javé Nissi