Jesus Cristo é Senhor

Jesus Cristo é Senhor

“O movimento (RCC) não está alicerçado, nas necessidades humanas (subjetivas), mas antes no fundamento sólido da fé na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, Salvador e SENHOR do mundo e de todas as coisas, por cuja ressurreição tudo renasceu para uma vida nova”.[1]

Entendemos que esta proclamação resume toda a missão (submeter tudo e todos ao Senhorio de Jesus) e também toda vivência cristã (o Espírito nos leva a proclamar Jesus Cristo é o Senhor). Proclamação fundamental da Igreja e, portanto o principal “conteúdo” de vivência e de anúncio para nós cristãos. É necessário que reflitamos sobre a importância e o significado do “senhorio” para apreendermos sua profundidade e impacto quando de seu anúncio.

“Cristo fez-se obediente até a morte, e morte de Cruz. Por isso Deus o exaltou e conferiu-lhe o Nome que está acima de qualquer outro nome”.

O Apóstolo anuncia que esse nome é SENHOR! Adonai, que em grego soa Kyrios, em latim, Dominus e, em português, Senhor: Todo o joelho — continua o texto — se dobre e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai” (Fl 2,8-11). Mas o que ele entende com a palavra “Senhor” é precisamente o Nome que proclama o Ser divino. O Pai deu a Cristo — também como homem — o seu próprio Nome e seu próprio poder (cf. Mt 28,18): esta é a verdade inaudita contida na proclamação: “Jesus Cristo é o Senhor!” Jesus Cristo é “Aquele que é”, o Vivente.

Esta é a fé que a Igreja herdou dos apóstolos, que lhe santificou as origens, gerou o culto. Nós precisamos reavivar esta fé. Nos primeiros séculos da Igreja, procedia-se na semana após ao dia do batismo, que era a semana da Páscoa, à revelação e transmissão aos novos cristãos das realidades de fé mais sagradas que lhes haviam sido mantidas escondidas até aquele momento e o centro desta catequese chamada de “mistagógica” – dos mistérios – era a proclamação fundamental do querigma: Jesus Cristo é o Senhor!

Hoje, isso tudo acabou; com o correr do tempo as coisas mudaram. Mas nós podemos recriar momentos como aqueles. A Igreja tem algo para “nos revelar”, “comunicar-nos” como se fôssemos iniciantes no cristianismo. Tem para comunicar-nos o senhorio de Cristo; tem para desvendar-nos este segredo escondido para o mundo: que “Jesus” é “o Senhor” e que diante dele todo o joelho se deve dobrar. Que um dia, infalivelmente, diante dele todo o joelho “há de se dobrar”! (cf. Is 45,23).

Da palavra, ou dabar, de Deus diz-se no Antigo Testamento que ela “caía sobre Israel” (cf. Is 9,7), que “vinha sobre alguém”. Agora esta palavra “Jesus é o Senhor”, ápice de todas as palavras, “cai” sobre nós, vem sobre nós, torna–se realidade viva no próprio centro da Igreja católica. Passa como o facho ardente que passou entre as metades das vítimas preparadas por Abraão para o sacrifício da aliança (cf. Gn 15,17).

“Senhor” é o nome divino que nos diz respeito mais diretamente. Deus era “Deus” e “Pai” antes que existissem o mundo, os anjos e os homens, mas ainda não era “Senhor”.Torna-se Senhor, Dominus, a partir do momento em que existem criaturas sobre as quais exerce o seu “domínio” e que livremente aceitam este domínio. Na Trindade não há “senhores” porque não há servos, mas todos são iguais. Em certo sentido, somos nós que fazemos de Deus o “Senhor”! Esta dominação de Deus, repudiada pelo pecado, foi restaurada pela obediência de Cristo, novo Adão. Em Cristo, Deus se tornou novamente Senhor por um título mais válido: por criação e redenção. Deus voltou a reinar a partir da Cruz! “Para isso Cristo morreu e voltou à vida: para ser o Senhor dos mortos e dos vivos” (Rm 14,9).

A força objetiva da frase “Jesus é o Senhor” reside no fato de que ele torna presente a história. Ela é a conclusão de dois eventos fundamentais: Jesus morreu por nossos pecados; ressuscitou para a nossa justificação: Por isso Jesus é o Senhor! Os acontecimentos que a prepararam resumem-se, por assim dizer, nesta conclusão e, hoje em dia, nela se tornam presentes e operantes,quando proclamada com fé:”Se confessares com tua boca que Jesus é o Senhor e creres com teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10,9).

Existem dois modos fundamentais de entrar em comunhão com os acontecimentos da salvação: um é o sacramento, o outro, a palavra. O de que estamos falando é o da palavra e da palavra por excelência que é o Querigma.

A palavra de Deus nos revela um itinerário que serviu para desvendar o horizonte de Deus às gerações cristãs primitivas, um itinerário não extraordinário e reservado a poucos privilegiados, mas franqueado a todos os homens de coração reto — aos que crêem e aos que estão em busca da fé —, um itinerário do Querigma: “Jesus Cristo morreu! Jesus Cristo ressuscitou! Jesus Cristo é o Senhor!”

Este sentimento da presença do senhor ressuscitado é uma espécie de iluminação interior que, por vezes, transforma inteiramente o estado de ânimo de quem a recebe. Lembra o que sucedia nas aparições do Ressuscitado aos discípulos. Um dia, depois da Páscoa, estavam os apóstolos ocupados a pescar no lago de Tiberíades, quando surgiu na margem um homem que se pôs a falar com eles à distância. Tudo, até certo ponto, normal: eles se queixavam de não ter pescado nada, como costumam os pescadores. Mas eis que, no coração de um deles — o discípulo que Jesus amava —, uma luz repentina acendeu-se; reconheceu-o e exclamou: “É o Senhor!” (Jo 21,7). E então tudo no barco mudou de súbito.

Deste fato se compreende por que São Paulo afirma que “ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor!’ a não ser no Espírito Santo” (1Cor 12,3).

Assim como, no altar, o pão se muda pelo poder do Espírito Santo que sobre ele desce, no corpo vivo de Cristo, assim, de modo semelhante, esta palavra se torna “viva e eficaz” (Hb 4,12) pelo poder do Espírito Santo que nela opera. Trata-se de um acontecimento de graça que podemos predispor, favorecer e desejar, mas que, por nós mesmos, não podemos provocar. Assim, poderia acontecer a alguém hoje aquilo que sucedeu no coração do discípulo amado no lago de Tiberíades: o “reconhecimento” do Senhor.

Na frase “Jesus é o Senhor!” há também um  aspecto subjetivo, que depende de quem a pronuncia. Às vezes perguntei a mim mesmo por que, nos evangelhos, os demônios nunca pronunciam esse título de Jesus. Eles chegam a dizer: “Tu és o Filho de Deus!” ou então: “Tu és o Santo de Deus!” (cf. Mt 4,3; Mc 3,11; 5,7; Lc 4,41); mas nunca os ouvimos exclamar: “Tu és o Senhor!”

A resposta mais plausível parece ser esta: Dizer “Tu és o Filho de Deus” é reconhecer um dado de fato que não depende deles e que eles não podem mudar. Mas dizer “Tu és o Senhor!” é bem diferente. Implica uma decisão pessoal. Significa reconhecê-lo como tal, sujeitar-se ao seu Senhorio. Se o fizessem, cessariam no mesmo instante de ser o que são para se transformarem em anjos de luz.

Esta palavra divide efetivamente dois mundos. Dizer: “Jesus é o Senhor!” significa entrar livremente na esfera do seu domínio. Equivale a dizer: Jesus Cristo é o “meu” Senhor; ele é a razão mesma da minha vida; eu vivo “para ele”, não mais “para mim”; “ninguém de nós — escrevia Paulo aos Romanos — vive para si mesmo e ninguém morre para si mesmo, pois se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morre­mos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor” (Rm 14,7-8). A suprema contradição que o homem de sempre experimenta — entre a vida e a morte — foi superada. Mas a contradição mais radical não está em viver e morrer, mas entre viver “para o senhor” e viver “para si mesmo”… Viver para si mesmo é o novo nome da morte.

A proclamação:.”Jesus é o Senhor!” assumiu, depois da Páscoa, o lugar que ocupara na pregação de Jesus o anúncio: “Chegou o reino de Deus!” Antes que existissem os Evangelhos e antes que existisse o projeto de escrevê-los, havia esta nova: “Jesus ressuscitou. Ele é o Messias. Ele é o Senhor!”Tudo começou daí. Nesta notícia nascida com a Páscoa, estava contida, como numa semente, toda a força da pregação evangélica. A catequese e a teologia da Igreja assemelham-se a uma árvore majestosa brotada desta semente.

Entretanto — como sucede à semente natural com o andar do tempo ela ficou como que sepultada sob a planta que produziu. O Querigma, em nossa consciência atual, é uma das tantas verdades de fé, conquanto da maior importância, da catequese e da pregação. Não jaz mais à parte, nas origens da fé.

Para uma evangelização eficaz e transformadora é preciso trazer novamente à luz a semente na qual está contida, ainda intacta, toda a força da mensagem evangélica. É necessário desenterrar “a espada do espírito” que é o anúncio chamejante de Jesus Senhor.

Ao ser novamente pronunciada esta palavra é despertada a atenção para a realidade que deve pairar acima dos pensamentos de todos. À palavra do Querigma: “Jesus é o Senhor!” tudo se reanima e torna a acender-se em toda a sua pureza, na fé.

Aparentemente nada nos é mais familiar do que a palavra “Senhor”. Ela é um elemento do próprio nome com que invocamos a Cristo no fim de qualquer oração litúrgica. Mas uma coisa é dizer: “Nosso Senhor Jesus Cristo” e outra, dizer: “Jesus Cristo é o nosso Senhor!” Pode-se dizer que durante séculos, até nossos dias, esta proclamação “Jesus é o Senhor” que remata o hino da epístola aos Filipenses, permaneceu disfarçada por uma tradução equivocada. De fato, a Vulgata traduziu: “Toda a língua proclama que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai”, ao passo que — como sabemos agora — o sentido não é que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai, mas que Jesus é o Senhor, e isto para a glória de Deus Pai!

Mas não basta que a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor; é preciso também que “todo o joelho se dobre”. Não se trata de duas coisas distintas, mas de uma só coisa. É preciso que quem proclama Jesus Senhor, o faça dobrando o joelho, isto é, submetendo-se com amor a esta realidade, dobrando a própria inteligência em obediência à fé. Trata-se de renunciar ao tipo de força e segurança provenientes da “sabedoria”, ou seja, da capacidade de enfrentar o mundo incrédulo e soberbo com suas próprias armas que são a dialética, a discussão, as infinitas argumentações, meios estes que só servem para “procurar sempre sem jamais encontrar” (cf. 2Tm 3,7) e por isso sem jamais ser reduzido a ter de obedecer à verdade, depois de encontrada.

O querigma não fornece explicações, mas postula obediência, pois nele atua a própria autoridade de Deus. “Depois” e “à margem” disto há lugar para todas as razões e demonstrações, não “dentro” disto. A luz do sol brilha por si mesma e não pode ser aclarada por outras luzes, mas ela tudo aclara. Quem afirma não vê-la nada mais faz do que proclamar-se cego.

É preciso aceitar a “fraqueza” e a “estultícia” do querigma — o que significa aceitar a própria fraqueza, humilhação e insucesso — para permitir à força e sabedoria de Deus ter acesso vitorioso à luz e atuar ainda mais. “As armas com que combatemos — diz Paulo — não são de origem humana, mas recebem de Deus o poder de destruir fortificações, destruindo os raciocínios e todos os baluartes que se erguem contra o conhecimento de Deus, e sujeitando toda a inteligência à obediência a Cristo” (2Cor 10,3-5). Em outras palavras, é preciso fixar-se na cruz, porque da cruz emana totalmente a força do senhorio de Cristo.

Precisamos atentar em não nos envergonharmos do querigma. A tentação de envergonhar-se dele é forte. Também o foi para o apóstolo Paulo, pois ele sentiu a necessidade de gritar para si mesmo:”Eu não me envergonho do Evangelho!” (Rm 1,16).

Ainda mais hoje em dia. Que sentido tem — sugere-nos uma parte de nós mesmos — falar de Jesus Cristo que ressuscitou e é o Senhor, quando ao redor de nós há tantos problemas concretos que atormentam o homem: a fome, a injustiça, a guerra…? O homem gosta que se fale nele — mesmo que seja mal — de preferência a ouvir falar de Deus. No tempo de Paulo, uma parte do mundo pedia milagres, a outra, sabedoria. Hoje, uma parte do mundo (a sujeita a regimes capitalistas) pede justiça, a outra (sujeita aos regimes totalitários comunistas) pede liberdade. Nós, porém, pregamos Jesus crucificado e ressuscitado (cf. ICor 1,23), por estarmos convencidos de que nele se funda a verdadeira justiça e a verdadeira liberdade.

Quando, na Sexta Feira Santa, o Crucificado for “erguido” nu ante nossos olhos, fixemos bem nele o nosso olhar. É o Jesus que nós proclamamos “Senhor”, não outro qualquer, um Jesus fácil, “água com açúcar”. Para que pudéssemos ter o privilégio de saudá-lo Rei e Senhor verdadeiro, Jesus aceitou ser saudado rei de zombaria; para que pudéssemos ter o privilégio de dobrar humildemente o joelho diante dele, aceitou que se ajoelhassem diante dele por troça e escárnio.”Então os soldados — está escrito — o vestiram de púrpura e, depois de ter entrelaçado uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça. Depois começaram a saudá-lo… e batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-lhe em cima e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante dele” (Mc 15,16-19).

Devemos compenetrar-nos bem daquilo que fazemos, empenhar nisso muita adoração e muita gratidão, pois o preço que ele pagou foi excessivamente alto. Todas as “proclamações” que ele ouviu em vida foram proclamações de ódio; todas as “genuflexões que ele viu foram genuflexões de ignomínia. Não devemos acrescentar-lhes outras com a nossa frieza e superficialidade. Quando expirava na cruz, ainda lhe soava aos ouvidos o eco ensurdecedor daquela gritaria e a palavra “Rei” pendia-lhe como uma condenação escrita acima da cabeça. Agora que ele vive à direita do Pai e está presente no Espírito em nosso meio, vejam os seus olhos todo o joelho dobrar-se e juntamente dobrar-se a mente, o coração, a vontade e tudo o mais; ouçam os seus ouvidos de alegria irromper do coração dos crentes: “Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai!”.

[1] Smet, Walter sj – Eu faço um mundo novo, Edições Loyola, 1978

Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi

Comunidade Javé Nissi

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