Ética, pós-modernidade, pregação, fé…
O maior desejo das pessoas, de um modo geral, é descobrir de que maneira é possível ser feliz. Para dar conta desse desejo pela vida feliz, surge um campo de saber que aponta para a busca do sentido da vida: é o campo da ética.
A fé cristã encontra-se diante do dilema característico da pós-modernidade. Por isso, a proposta para a reflexão ética nesse tempo não aponta para uma harmonização, mas para o conflito. A questão que se levanta é como se torna possível o diálogo entre a fé cristã e o mundo que aprendeu a viver sem a hipótese da existência de Deus. A maneira como as pessoas orientam suas condutas brota de um desejo de encontrar explicações sobre o sentido da vida, sobre o que é bom e valioso para uma vida feliz.
A ética cristã, como uma reflexão sobre o caminho para a construção da felicidade, implica uma compreensão do homem enquanto ser que se relaciona com o mundo, consigo mesmo e com os outros. O principal problema do cristianismo não se restringe ao problema moral. Trata-se de uma questão ética profunda que diz respeito à maneira como se torna possível estabelecer o diálogo com um mundo arreligioso que chegou a sua maturidade. Como deve se dar o diálogo cristão com o mundo? Como se dá o discurso cristão diante das grandes questões humanas desse tempo? Como desenvolver a fé tendo em vista a questão da bioética? Etc…
A reflexão sobre a relevância da mensagem cristã para hoje e como essa mesma mensagem pode fazer sentido nestes dias, principalmente no que diz respeito ao sentido da vida, é importante. A pós-modernidade produz um mundo fragmentado que aprendeu a construir sua compreensão da vida sem a hipótese Deus. Assim a ética serve de base para a construção de um diálogo entre fé cristã e mundo, conforme a reflexão do teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, morto pelo nazismo.
Para a pós-modernidade, uma cultura que vive de crenças e valores é decadente e empobrecida. Sua proposta é quebrar esses valores éticos que revelam “cansaço”. Ela recusa os pilares da cultura ocidental, tanto a piedade religiosa como a objetividade do cientista. Para o pós-moderno, os valores não são nem eternos, nem universais, nem transcendentes, nem metafísicos. São criações muito humanas. Nietzsche, um dos principais filósofos da pós-modernidade, afirmou que a ética cristã é a ética dos escravos e “são os escravos que inventaram o além, pois não podem ter as alegrias deste mundo”.
Não é difícil perceber que num contexto pós-moderno a ética cristã é desafiada a justificar sua razão de ser. Ao negar a possibilidade de qualquer verdade objetiva, a pós-modernidade rejeita também a revelação bíblica como verdade. Como podemos responder ao desafio do relativismo moral prevalecente em nossa cultura? Há pelo menos duas possibilidades de reafirmar a ética cristã num contexto pós-moderno. Primeiro, demonstrar as incoerências próprias desse sistema de pensamento. Neste sentido, o argumento pós-moderno aparece frágil e incoerente: ao afirmar que não há verdades absolutas, o pós-moderno cria uma verdade absoluta. Ou como afirmou Santo Agostinho: “Quem quer que duvide da existência da verdade, possui em si mesmo, algo verdadeiro, de onde tira todo fundamento para a sua dúvida”. Segundo, proclamar “sem culpas” a verdade de Deus verdadeiro em um mundo mergulhado na ilusão. De acordo com Herminsten Maia, “uma sociedade sem absolutos caminha para o caos moral”. O profeta Isaías denunciou o caos moral afirmando que os homens “chamam o mal de bem e ao bem, mal; que fazem da escuridão luz e da luz, escuridão; põem o amargo por doce e o doce, por amargo!” (Is 5,20). Da mesma forma a igreja é chamada para exercer sua vocação profética, denunciando o relativismo ético com a Palavra de Deus. Tal missão constitui-se num imperativo categórico para todo cristão em toda e quaisquer circunstâncias.
Para os pós-modernistas, a moralidade é uma questão de desejo. A ética do desejo acaba sendo a da vontade (minha opção) de poder (meu desejo). Assim, algo se torna verdadeiro porque “eu escolhi que fosse verdadeiro para mim”. Essa tendência pós-moderna faz com que a religião seja vista como preferência. As pessoas creem naquilo de que gostam. Acreditar nos ensinos ou concordar com o que ela crê, não tem mais relevância. A nota trágica desse comportamento é uma geração que desconhece completamente as implicações do seguimento da fé cristã. Assim o discurso e a pregação, não estão mais centrados em Jesus Cristo, na cruz e na conversão, mas sim na “autoajuda”, no “sentir-se bem”, na “cura”, visando conquistar adeptos, os “consumidores”.
A comunidade cristã, a Igreja, deve provar que as ideias teológicas têm valor para a vida concreta. Isso implica que a ética cristã tem uma dimensão teórica, mas também uma dimensão prática. De nada adianta sermos gigantes na teoria e pigmeus na prática. A ética cristã na pós-modernidade não pode e nem deve se banalizada. Quando vivemos nossa vocação à santidade, então autenticamos nosso discurso e reafirmamos o Evangelho.
Não podemos subestimar o efeito trágico do relativismo ético. Um ditado popular afirma: “quanto mais uma mentira parece com a verdade, tanto pior é o fruto que ela produz”. Resta-nos a firme esperança de que, apesar da hostilidade com que a visão cristã é rejeitada, a verdade prevalecerá.
Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi