A Promessa de Deus: O Homem Novo
A pergunta de Nicodemos a Jesus é bem interessante: “Como pode um homem nascer sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer”? (Jo 3,4).
Esta pergunta é racional e faz muito sentido, pois é impensável um homem já velho retornar de novo ao seio de sua mãe e renascer! Aqui está o coração do diálogo e o objeto da promessa; não é o homem que entra no seio de sua mãe para nascer de novo, e sim Deus que entra no seio do homem e o faz nascer de novo.
Para compreendermos esta afirmativa precisamos recorrer a uma promessa feita por Deus a Israel quando este enfrentava o esgotamento da esperança e os sinais de morte do Exílio Babilônico (Ez 36-37), Israel se encontra na condição de ossos ressequidos (Ez 37). Neste contexto Deus apresenta sua promessa salvífica: “Eu lhes darei um só coração, porei no seu íntimo um espírito novo: removerei do vosso peito o coração de pedra e lhes darei um coração de carne, a fim de que andem de acordo com meus estatutos e guardem as minhas normas e as cumpram. Então sereis o meu povo e eu serei o seu Deus” (Ez 11, 19-20; 36, 26-29). Levando em consideração este texto entendemos o questionamento de Jesus a Nicodemos: “És mestre em Israel e ignoras estas coisas?” (Jo 3,10).
Nicodemos entende as palavras de Jesus na ótica do “cronos”, contudo as palavras de Jesus estão na ótica do “kairós”, em outras palavras, enquanto Nicodemos está preso às “leis da natureza” Jesus quer apresentar-lhe o “tempo da graça”.
O nascer de novo não depende do homem (Vias naturais), mas de Deus (Via sobrenatural). O protagonista do diálogo entre Jesus e Nicodemos é o Espírito Santo, o nascer de novo é consequência de uma efusão do Espírito Santo. O portador da vida nova é Jesus, se o pecado nos fechou as portas do Paraíso e a árvore da vida (Gn 3, 23-24), Jesus se nos apresenta como a árvore da vida (Jo 11, 25) e o fruto dessa árvore que nos comunica a vida é o Espírito Santo (Jo 1, 33). Pelo teor deste diálogo podemos trazer à tona as palavras de Jesus no contexto eucarístico de João: “As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6, 63). Interessante também é a afirmativa de Jesus: “O vento sopra onde quer e ouves seu ruído, mas não sabe de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3, 8).
A vida nova consiste na volta do homem para Deus, sendo conduzido pelo Espírito o homem deixa suas inclinações de morte e se abre ao Deus da vida (Rm 8, 5-8). Ainda que Nicodemos seja um profundo conhecedor da teologia judaica ele não foi capaz de compreender o grande mistério da redenção que se descortinava diante de seus olhos pelas palavras de Jesus, do mesmo modo causa-nos tristeza em ver que profundos conhecedores da teologia cristã ainda não foram capazes de compreender que o mundo novo, a sociedade nova, não acontecerá pelas vias naturais, a saber, reorganização político social, dar voz ao oprimido, fome zero, SUS, etc. O homem novo capaz de todas essas transformações é aquele que como Nicodemos necessita nascer do alto, a partir de uma experiência do Espírito capaz de causar-lhe uma ruptura existencial, é um verdadeiro arrancar para fora o coração de pedra e infundir-lhe um coração novo, embebido do amor de Deus e susceptível a amar o próximo!
Vida nova é vida no Espírito! Portanto todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura, as coisas velhas passaram, eis que uma realidade nova esta aparecendo! (II Cor 5, 17).
Autor: Carlinhos Faria – Teólogo – Membro da Comunidade Javé Nissi