Política, Coerência Cristã e Virtudes
“O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades [terrena e celeste], a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” – Gaudium et Spes, 43.
O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura” – Christifideles Laici.
“Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, deverão se esforçar os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho” – Octogésima Adveniens, 46.
“Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem…” – Octogésima Adveniens, 26.
A Igreja proclamou São Tomás Moro padroeiro dos Governantes e dos Políticos, exatamente porque soube ser coerente com sua posição católica até ao martírio.
Tomás More era ativo na vida política. Fora eleito duas vezes para o Parlamento, Representante da Coroa, Juiz, Cavaleiro, Presidente da Câmara dos Comuns e Chanceler do Reino da Inglaterra. Não querendo dar o seu apoio ao plano de Henrique VIII que desejava assumir o controle da Igreja na Inglaterra e dissolver o próprio casamento para se casar com outra mulher, São Tomás Moro opôs-se duramente a esse cisma e ao divórcio, pedindo demissão do seu cargo. Retirou-se da vida pública, resignando-se a sofrer, com a sua família, a pobreza e o abandono de muitos que, na prova, se revelaram falsos amigos. Aos que o pressionavam dizia: “Se tivesse duas almas, poderia arriscar uma delas, mas como só tenho uma, preciso salvá-la”. Foi condenado por alta traição e decapitado. Antes de morrer disse ao povo: “Morro leal a Deus e ao Rei, mas a Deus antes de tudo”.
Nesse clima de corrupção e venalidade que invadiu o nosso sistema político, eleitoral e governamental, possa o exemplo de Santo Tomás More ensinar aos nossos governantes e políticos, atuais e futuros, que o homem não pode se separar de Deus, nem a política da moral, e que a consciência não se vende por nenhum preço, mesmo que isto nos custe caro e até a própria vida.
Política e virtudes cristãs
O exercício da política, não como administração correta e honesta da coisa pública, mas transformada em politicagem, constitui-se no oposto das virtudes cristãs, que são a base da verdadeira civilização. E é isso o que leva muita gente a não ter esperança na política como solução para os problemas sociais nem nos políticos como leais condutores do povo. Daí a indecisão na hora de escolher um bom candidato.
Basta analisar algumas das virtudes cristãs. A virtude da humildade, por exemplo, essencial ao cristianismo e à pacífica convivência humana, é a que menos se vê na política. A humildade consiste no esquecimento de si mesmo, na ausência de egoísmo, no desprendimento, na modéstia com relação a si próprio. E o que se vê comumente no exercício da política é o contrário, é o império do “EU”: “porque os outros são isso ou aquilo, mas EU não…”; “porque os outros não fizeram, mas EU fiz, Eu faço, EU farei, etc.”… Exatamente o linguajar do fariseu do Evangelho, que foi reprovado por Deus: “Graças vos dou, ó Senhor, porque não sou como os outros homens… EU…”.
A virtude da pobreza, isto é, do desprendimento, do desapego dos bens materiais e do dinheiro: sua ausência dispensa demonstração. Qual é hoje o político realmente despreocupado com o próprio bolso, que deseja trabalhar exclusivamente em benefício do seu próximo? Quem entrasse na política, que de si é um exercício de altruísmo e caridade, deveria sair do cargo que lhe foi confiado com a mesma condição financeira com que entrou. Conhece o leitor algum raro político dessa espécie?
E as virtudes da honestidade, da não acepção de pessoas, da caridade desinteressada, do comedimento nas palavras, do respeito para com o próximo, do amor pela verdade, da convicção religiosa, da constância, da fidelidade nas promessas, do cumprimento da palavra dada?
Autor: Centro de Formação Mons. Mauro Tommasini