Renúncia
No Evangelho de Mateus (16,21-27) Jesus nos diz:
“Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará”.
O que significa “renunciar a si mesmo”? E mais, por que se deve negar a si mesmo? Conhecemos a indignação dos filósofos “do bem viver”, defensores daqueles que fazem do “direito de ser feliz” uma desculpa para não se comprometerem com qualquer coisa que implique em “renúncia”.
Às vezes, em nossas vidas, tememos deixar de aproveitar alguma coisa. Tememos que, se continuarmos a ser fiéis a Deus, vamos perder algo. Tememos que o “não fazer” o que todos fazem, ou o não ter o que todos têm, às vezes nos faz parecer tolos.
As nossas desculpas ou racionalizações se referem sempre a essa exigência: as murmurações contra os “muitos” compromissos, o desejo de desistência apoiado na idéia que já se fez muito, as rebeldias contra as lideranças e o projeto da Comunidade, o argumento de “nossos direitos” ou do “é preciso dar oportunidade aos outros”, etc. Essas atitudes se referem a essa exigência fundamental do caminho: renunciar a si mesmo.
A história contemporânea narra que durante a perseguição nazista, muitos trens partiam para os campos de extermínio carregados de judeus. Eram convencidos a embarcar por falsas promessas. Às vezes, em alguma estação, alguém que sabia a verdade gritava para os passageiros: Desçam, fujam. E alguns conseguiam.
O exemplo é duro, mas expressa algo sobre nossa situação. Temos que observar em qual trem estamos embarcados! (e nós mineiros entendemos de trens). Não falo do trem da vida natural, que vai para a morte. Sobre isso não há dúvida. Nosso eu natural, sendo mortal, está destinado a terminar. Falo do trem da vida que embarcamos por nossa opção, muitas vezes iludidos por propostas ilusórias e enganosas!
O que o Evangelho nos propõe quando nos exorta a renunciar a nós mesmos é a descer deste trem de ilusão que nos conduz à morte, pois esse é o salário do pecado, para subir no outro que conduz à vida, e a vida plena. Fazer uma baldeação! O trem que conduz à vida é a fé n’Ele, que disse: “Que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”.
Paulo realizou essa “baldeação” que descreve assim: “Já não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim”. Se assumimos o eu de Cristo, convertemo-nos em imortais, porque ele, ressuscitado da morte, não morre mais. Isso é o que significa as palavras: “Pois quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará”.
Portanto, está claro que renunciar a si mesmo não é uma operação autodestrutiva e frustrante, mas o golpe de audácia mais inteligente que podemos realizar! Atitude que exige coragem e convicção de que as palavras que nos chamam para o “outro tem” é a verdade.
Mas é preciso deixar claro uma coisa: Jesus não nos pede para renegar o “que somos”, mas “aquilo no que nos convertemos”. Nós somos imagem de Deus, somos, portanto, algo “muito bom”, como disse Deus no momento de criar o homem e a mulher. O que temos que renunciar não é o que Deus fez, mas o que nós fizemos, usando mal nossa liberdade. Em outras palavras, as tendências más, o pecado, todas essas coisas que são como incrustações posteriores acrescentadas ao original e que se disfarçam nas diversas desculpas quando somos confrontados com a Palavra e o chamado.
“Renunciar a si mesmo” não é, portanto uma operação para a morte, mas para a vida, para a beleza e para a alegria. Renunciar a si mesmo é aprender a língua de Deus para poder comunicar-nos com Ele, pois é a linguagem do amor: Cristo renunciou a Si mesmo por amor. (Flp 2,6-7).
A dor e o sofrimento de ser fiel, a solidão às vezes de não podermos fazer o que todas as outras pessoas estão fazendo nos colocam numa situação em que nos arrependemos, talvez, de termos sidos fiéis. Mas, a Palavra de Deus nos diz que nunca nos arrependeremos de termos sido fiéis. Ser fiéis em meio às dificuldades, em meio à dor é uma certeza de que receberemos o que nos pertence: a recompensa da herança de Cristo, que diz: “quem perder sua vida por causa de mim a encontrará”.
Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi