Santíssima Trindade e Comunidade dos Homens

Santíssima Trindade e Comunidade dos Homens
  1. História Trinitária da Páscoa

A história da fé cristã nos seus dois momentos máximos: a humilhação da cruz e a exaltação da ressurreição foi narrada como história trinitária. Esta história de humilhação e exaltação não é somente história do Filho que se humilha e ressurge para a vida, mas é a história do Pai que o entrega à morte e lhe dá vida nova, é a história do Espírito que entregue na cruz é infundido e derramado com plenitude na vitória pascal. Essa estrutura narrativa de confissão trinitária original estende-se à narração da história passada, presente e futura, lida na sua totalidade como história trinitária.

A ressurreição é história do Pai, a iniciativa é de Deus, o Pai : “Deus o ressuscitou” (At 2,24). A ressurreição é ação poderosa de Deus que nela mostra a extraordinária grandeza de seu poder e eficácia de sua força (Ef 1,19): nela a Trindade se apresenta como a unidade do Ressuscitante, do Ressuscitado e do Espírito da ressurreição e de vida, unidade do Pai que dá vida no seu Espírito ao Crucificado, proclamando-O Senhor e Cristo, Filho de Deus e O dá aos homens para que tenham parte na comunhão de vida no Espírito com Ele e com o Pai.

A narração pascal da história de Jesus é a Boa Nova do Pai que pelo Filho e no Espírito entra em relação com a história humana  para que o tempo dos homens entrasse na própria vida da Trindade.

Na memória da Igreja primitiva, o “Deus de nossos pais”, guia e orienta esta história para o Cristo, seu Filho, agindo especialmente através dos profetas no Espírito Santo. A Trindade é a chave para a compreensão da História da Salvação.

  1. Trindade e comunidade dos homens

Se Deus Criador quer a plena realização da criatura humana, e esta só se pode realizar na sociedade dos homens, na sociedade de amor tem que haver relação entre a história eterna da comunhão trinitária e o processo histórico da construção da família humana.

  1. a) Sociedade humana como reflexo da vida na Trindade

A Comunhão Trinitária se refere ao Pai, eterna fonte do amor. Assim, a comunidade dos homens é constitutivamente relacionada ao Deus Pai, Senhor do céu e da terra. É uma comunhão de diferentes “fontes” no amor que se inter-relacionam para se tornarem conjuntamente fontes de vida e de amor.

A comunidade na qual não se respeita a dignidade de cada um, a sua liberdade criativa na iniciativa do amor, ou a comunidade na qual a diversidade não converge para a comunhão não reflete o Pai.

O Deus Pai da Trindade chama cada qual a ser a si mesmo e a sê-lo no respeito da dignidade e no amor ao outro.

A comunidade que reflete o semblante do Deus Amor é o desenvolvimento máximo da rica originalidade de cada um, numa comunhão que é a mais alta soma dos dons de cada um, fonte fecunda de amor e de vida para todos.

  1. b) A pessoa humana é chamada a ser Jesus Cristo

Cada pessoa, cada indivíduo, reporta-se ao Filho enquanto acolhida e capacidade para o amor que fazem dele, no Filho, imagem do Pai. Também a comunidade dos homens é chamada a ser o lugar da acolhida, na qual um acolhe o outro e todos acolhem a cada um.

Comunhão de diferentes capacidades de amar, a comunidade é acolhida mais profunda que simples soma da capacidade de cada um.

A receptividade (capacidade de amar) da comunidade deve se exprimir na disponibilidade em acolher o outro e o diferente de si, até o dom do sacrifício de si mesmo. A comunidade autenticamente humana deve saber acolher a cada qual por força  não de seus méritos, mas do seu simples existir, no respeito daquilo que ele é, na aceitação de sua diversidade. A comunidade que acolhe os “últimos” e recusa com coragem a discriminação de poder, raça, sexo, riqueza e cultura, reflete o semblante do Filho de Deus. Na cruz de Cristo o mistério de Deus revela-se como vitoriosa contestação de qualquer senhorio do homem sobre o homem.

  1. c) No Espírito, o homem é imagem de Deus

No Espírito, o homem é imagem de Deus pela sua capacidade de se unir aos outros e de doar-se na liberdade, pois, o Espírito é, no seio da Trindade, o vínculo da unidade e da abertura no amor. A comunidade dos homens refletirá a sua ação enquanto souber ser comunhão na reciprocidade e na permanente relação de liberdade.

A riqueza de cada um não constrói a comunidade se não supera a solidão ou o isolamento de cada qual no relacionamento que suscita a comunhão. E isto é obra, não da ideologia, mas do amor.  A comunhão assim conseguida deve exprimir-se num permanente caminho de salvação, fraternidade e solidariedade. O mistério de Deus, dom e comunhão, exige propostas sociais na linha da acolhida e da valorização da originalidade da pessoa e de sua vocação à comunhão.

  1. A Trindade é um “lugar”

A Trindade não é “fórmula”, é um “lugar” em que pode-se sempre, novamente, colocar uma história de amor na qual se insere, de tal forma que a comunidade dos homens e sua história tornem-se reflexo do divino processo do amor. Tudo o que for violência, sistema de dependência e opressão e injustiça obscurece a relação originária do Amor criador. Tudo o que for paz, salvação e justiça é imagem e participação da história trinitária do amor.

Quem quer uma cidade estável, perdeu o seu tempo, quem procura a cidade futura a encontrou e faz de seu presente o tempo de amor trinitário de Deus.  O tempo é sempre, na Trindade, criatura do amor divino, que aí imprimiu sua marca. A Trindade entra explicitamente no tempo quando o homem  decide viver na liberdade e no amor (Jo 14,23). O tempo de Deus para o homem  permanece oferta sem resposta se não for um tempo do homem para Deus.

O espaço desta acolhida sempre nova e sempre mais profunda da Trindade na vida do batizado e por ela na história humana é a oração. O cristão não reza a um deus. Reza ao Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo ao qual está unido na força do Espírito Santo : reza em Deus !

O movimento vital da oração vem do Pai, origem no Filho, no Espírito Santo no coração de quem reza.  A oração mergulha o homem na Trindade e faz entrar a Trindade na existência humana.

Orando, o cristão experimenta que o seu Deus é um Deus conosco, do nosso lado e para nós e não tem medo de trazer a este Deus a verdade de sua vida, feita de ação de graças e de pedido de perdão e de necessidades concretas.

A comunidade dos homens acolhe, na unidade do Pai, do Filho e do Espírito, Santo, este ícone da Trindade que é a Igreja. O lugar no qual a origem trinitária é sempre representada e alimenta a Igreja como comunhão na diversidade é a Eucaristia.

  1. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo

A unidade do mistério trinitário resplandecerá, também, na glória do Pai que derramará seu amor sobre toda criatura; glória do Filho a quem as criaturas serão unidas para acolher este amor sem fim; glória do Espírito Santo que celebrará a unidade aberta no amor.

O que se iniciou em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo cumprir-se-á, então, como glória do Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

É a caminho desta pátria trinitária que peregrina na terra o povo de Deus na história: essa é a meta maior que recusa a “vida do mundo” e convida à pobreza acolhedora e à perene novidade do coração e da vida. Isto é o que recorda aos homens sua condição de peregrinos no amor, a serem sempre viajantes para os quais o dia não se inicia onde termina um outro dia , e nenhuma aurora os encontra onde o por do sol os deixou.

Até aqui narramos uma história. Narrando-a fazemos também história.

A história que narramos é a do Deus cristão e dos homens, chamados à comunhão com Ele: história do evento de Páscoa, que revela o eterno evento do Amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. História eterna deste amor e história nossa, a nossa acolhida no seio da vida trinitária e chamados a acolher na nossa existência “implicada na história” o apelo eterno do Amor, para dar sentido, força e esperança no cansaço de viver e ao sofrimento do mundo.


 

Autor: Tácito Coutinho – Tatá –  Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi

 

Fontes:

Bruno Forte – Trindade como história – Ed. Paulinas – Milão/1985

Karl Rahner – Curso Fundamental da Fé – Ed. Loyola

Dicionário de Espiritualidade – E. Paulinas

Pedro A Maia sj – Peregrinos da Santíssima Trindade – Ed. Loyola/ 1986

Comunidade Javé Nissi

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