Batismo no Espírito Santo – Promessa e cumprimento

Batismo no Espírito Santo – Promessa e cumprimento

Segundo Mt 3,11 e Lc 3,16, portanto segundo a tradição de Qumram, o Messias batizará “no Espírito Santo e no fogo”; os outros textos falam somente dum batizar no Espírito Santo. Provavelmente, os textos de Mateus e Lucas são mais antigos. É mais compreensível que posteriormente se tenha omitido a expressão “no fogo”, em vez de ter sido acrescentada. Em parte alguma do Novo Testamento se diz claramente que Jesus batiza “no fogo” (indícios obscuros talvez sejam Lc 12,49 e At 2,3). Por isso, é na tradição de Qumran que ouvimos muito próxima a ipsissima vox de João Batista. Para ele este fogo é o fogo do Juízo Final, que Deus iria realizar por seu Messias. Evidencia-se isso não só dos muitos textos do Novo e do Antigo Testamentos e da literatura judaica, em que Juízo e fogo estão unidos’, mas também de Mateus e Lucas (ao contrário de Marcos e João), em que a pregação do Batista é apresentada como um anúncio do próximo Juízo. E’ até possível que o Batista, no princípio, não tenha falado de “Espírito Santo”, mas simplesmente de ruah, vento, pois o vento tempestuoso era também uma imagem do Juízo de Deus (Is 4,6; Jr 4,11). De outro lado, não nos devemos esquecer de que também a comunidade de Qumram, conforme se depreende da sua Regra (1QS 4,13.21), esperava uma purificação de cada homem no fim: “Ele os purificará de todos os maus atos com o espírito de santidade”.

E’ possível que João Batista tenha perfilhado essa expectativa de um juízo final que se realizará tanto pelo fogo como pela água purificadora desse espírito. Uma objeção contra esta opinião é a circunstância de “Espírito Santo” e “fogo” estarem tão intimamente ligados nas palavras atribuídas por Qumram ao Batista. Além disso, também na coluna IV de Regra de Qumram se acentuam a purificação universal e o fim da luta entre os dois espíritos, de forma que aqui também não fica muito claro quem será destruído e quem será purificado. Seja como for, a interpretação cristã da pregação de João acentuou de modo muito particular a ligação do Messias com o Espírito. É isso evidente, sobretudo nos Evangelhos de Marcos e de João, nos quais se fala somente de “batizar no Espírito Santo”. Enquanto Qumram coloca diante de João o Messias como “o mais forte” — título que lhe cabe sobretudo por causa de sua luta final contra os poderes malignos (Cf. Mc 3,27 par.) — o quarto Evangelho apresenta a razão intrínseca por que Jesus batiza no Espírito Santo: “Aquele sobre quem vires descer o Espírito c pousar sobre ele, esse é o que batiza no Espírito Santo” (Jo 1,33). Neste Evangelho as palavras do Batista a respeito do Messias se referem de modo inteiramente direto a Jesus.

Desta forma, encontra-se no princípio de cada Evangelho a promessa de que Jesus batizará no Espírito Santo. Tugwell salienta o estranho fato de que Jesus, depois, não é apresentado como aquele que batiza, mas, ao contrário, Ele mesmo é balizado. E ainda acontece que o Evangelho joanino procura mitigar essa impressão, como se o próprio Jesus tivesse batizado durante sua vida terrena (4,1). Ele começou por submeter-se a um batismo, e não apenas ao de João, mas ainda ao de sua própria morte (Lc 12,49ss; Mc 10,38ss), e em ambas as ocasiões isso teve que ser assim (Mt 3,l5; Lc 24,26). Di-lo de modo mais radical o quarto Evangelho: “Pois ainda não fora dado o Espírito, porque Jesus ainda tinha sido glorificado” (7,39). Mas o que fora prometido no início da atuação de Jesus, se realiza em sua glorificação: é Ele quem baliza no Espírito.

No Evangelho de Marcos isso não é tão evidente. É somente no epílogo que se fala da ação de Jesus na sua Igreja e até com uma alusão à glossolalia (16,17); do Espírito, porém, nada se diz. Mateus fala no final do seu Evangelho do poder (exousia) universal de Jesus e de sua permanência com os discípulos; nomeia também o Espírito, junto com o Pai e o Filho, no mandamento de Jesus a respeito do batismo, mas não fala do Espírito como dom de Jesus. Em Lucas, no final do Evangelho, fala Jesus da “promessa do Pai” e da “força do alto” c afirma que ele mesmo enviará a promessa (24,49). Encontramos uma repetição disso no princípio dos Atos dos Apóstolos, seguida de uma especificação ulterior nas palavras de Jesus: “João balizou em água, porém vós, passados não muitos dias, sereis balizados no Espírito Santo” (1,5). Aqui a promessa do início dos Evangelhos está claramente em conexão com o acontecimento pentecostal relatado no capítulo segundo, acontecimento que, além disso, é atribuído ao próprio Jesus glorificado: “Exaltado pela direita de Deus e recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou-o, conforme vedes e ouvis” (ou: “derramou isto que vedes e ouvis”) (2,33). Nos At 10,47 e 11,15, ressalta-se a identidade do acontecimento de Pentecostes com a descida do Espírito sobre os pagãos na casa de Cornélio. E nesse fato se viu também um batismo no Espírito Santo (11,16). Segundo a teologia de Lucas, portanto, a promessa deste batismo torna-se realidade num acontecimento que não se restringe ao dia de Pentecostes, mas que se repete.

A mesma idéia encontramos no Evangelho de João, embora aqui a imagem não seja desenvolvida conseqüentemente (devido, provavelmente, aos diversos estágios na tradição joanina). A expressão “batizar no Espírito Santo” não se repete no Evangelho. Tem alguma afinidade com “batizar” a representação do Espírito como água viva que manará, quando Jesus for glorificado, provavelmente do “seu seio” (7,37-39; cf. 4,10-14).’ Pode-se considerar como um cumprimento dessa promessa a água que saiu do lado de Jesus já morto na cruz (19,34), embora não se faça aí nenhuma referência à promessa de Jesus nem falem sobre o Messias como doador do Espírito os textos citados do Antigo Tesla-mento. Além disso, o ato de Jesus dar o Espírito é representado pela figura do sopro, provavelmente já no momento da morte de Jesus (19,30: paredoken to pneuma: “entregou o Espírito”) e, certamente, quando, já ressuscitado (e depois de ler subido ao céu? cf. 20,17), Ele comunicou o Espírito, soprando sobre os discípulos (20,22).

E’ este o Pentecostes joanino, ou melhor, a plenitude da Páscoa joanina, na qual já está incluído o dom do Espírito. Os escritores do Novo Testamento se esforçam, cada um à sua maneira, por apresentar o acontecimento escatológico a partir de Jesus. A representação lucana de uma efusão do Espírito, cinqüenta dias após a primeira experiência pascal, tem pouca chance de ser histórica (em nosso sentido), segundo um certo consenso atual entre os exegetas. Exegeticamente não se pode justificar a distinção que fazem, às vezes, os pentecostalistas separando Jo 20,22 e At 2, como se fossem duas vindas do Espírito aos discípulos, de caráter diferente. Estes textos representam, antes, de duas maneiras diferentes, o mesmo acontecimento: o Cristo glorificado batiza no Espírito Santo. Tanto para Lucas como para João, esse acontecimento não se restringe a um só dia. Os cinco logia sobre o Paráclito em Jo 14-16 exprimem a crença de que o Espírito continua a acompanhar os, discípulos, como “um outro Paráclito” (14,16), e, mesmo, como “um outro Jesus”.

Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi


Piet Schoonenberg

Texto publicado originalmente em: “A Experiência do Espírito” – Editora Vozes, 1979 – como homenagem ao teólogo Edward Schillebeeckx.

Piet Schoonenbeerg s.j. – proeminente teólogo holandês (que manteve uma discussão bastante conhecida com o então teólogo Walter Kasper a respeito da cristologia) . O artigo deve ser considerado no contexto do nascimento da Renovação Carismática Católica e da recepção do Concílio Vaticano II.

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