SEXUALIDADE DÁDIVA DO CRIADOR

SEXUALIDADE DÁDIVA DO CRIADOR

A sexualidade vai muito além de nossos órgãos genitais masculinos ou femininos. O Catecismo assim se expressa: “A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, em sua unidade de corpo e alma. Diz respeito particularmente a afetividade, a capacidade de amar e procriar e, de uma maneira mais geral, a aptidão a criar vínculos de comunhão com os outros” (CIC 2332).

Via de comunhão e de relacionamentos, essa é a percepção real da sexualidade, é ela que nos confere identidade e nos permite intimidade, não nos referimos aqui ao ato sexual, mas a todo tipo de relação que travamos no correr de nossa existência.

Nossa sexualidade desempenha um papel decisivo em nossa capacidade de responder ao chamado para amar. James B. Nelson explica que a razão para isso é ser a sexualidade humana “a base fisiológica e psicológica de nossa capacidade para amar”. A sexualidade é, além do mais, “um meio básico no qual professamos que somos incompletos e nos relacionamos. É o jeito engenhoso de Deus para nos chamar a comunhão com os outros por meio de nossa necessidade de procurar entrar em contato e tocar e abraçar – emocionalmente, intelectualmente, fisicamente”. Nossa sexualidade é, portanto, essencial, para sermos plenamente humanos e para nossa formação humana[1].

Ela não somente nos confere a capacidade de amar, mas também nos faz co-criadores com Deus.  Na beleza de nossa sexualidade, Deus assinalou sua sacralidade ao nos conceder a graça de nos reproduzimos, somos um povo, uma nação, formamos a humanidade graças a nossa sexualidade.

Encontramos no livro do Gênesis a narrativa da criação, e dentre tantas maravilhas ouvimos o diálogo trinitário de nosso Deus dizendo:

“Façamos o ser humano a nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26-27).

Aqui percebemos que fomos criados por amor, porque nosso “Deus é amor” (1Jo 4,8), e tudo o que ele faz é “muito bom” (Gn 1,31). Partindo daqui podemos afirmar que todo nosso ser é bom, meus membros são bons, meu coração é bom, logo minha sexualidade é boa.

No entanto nem sempre se pensou a sim. Não é segredo que até recentemente muitos cristãos viam o corpo humano e a sexualidade com desconfiança. Mas por quê? Em geral, a explicação vem do fato de quando começou a difundir além das fronteiras de Israel e se tornou mais universal, o Cristianismo encontrou modos de ver o mundo que eram muito diferentes da visão hebraica, que considerava a pessoa humana uma unidade de corpo e espírito. A dissociação de corpo e espírito fez com que as pessoas vissem em sua alma a pureza, mas em seus desejos e de maneira especial, no uso sexual de sua genitalidade, o caminho da imoralidade e da impureza.

“Não caíram os maniqueus (Recebe este nome por causa de seu fundador, Manes ou Maniqueu, profeta persa), que achavam que o sexo era mau porque fazia parte do corpo e o corpo vinha do Diabo?

Acontece que muita gente boa não diz expressamente que o corpo vem do diabo, mas acredita que o sexo seja mau, seja sujo, seja nojento, seja indigno dos filhos de Deus.

Se você conhece alguém que não queira conceber que o sexo seja bom, santo, limpo, puro, que seja belo, ponha em foco a encarnação de Jesus Cristo. Essa pessoa só poderia se tornar intransigente até um minuto antes do natal. Porque depois que Deus tomou um corpo humano, depois que adotou órgãos sexuais como nós, – santificou a natureza de tal corpo e de tais órgãos quer queiramos quer não.

Nós fomos criados e modelados com amor e por amor. Tamanho é esse amor criador que o próprio Deus se fez carne (Jo 1,14. 18). “Deus nunca quis morar em uma vaca (hindus), e sim em seres humanos”…[2]

São Paulo falando aos Coríntios sobre a dignidade do corpo e da sexualidade humana assim se expressa: “Acaso ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós e que recebeste de Deus? (1 Cor 6,19).

A grande tarefa da fé cristã hoje é não somente mostrar que a sexualidade é uma dádiva de Deus, mas também conferir a ela o valor que lhe foi destituído, seja pela promiscuidade, seja pela má compreensão do que é o ser humano e como a graça de Deus sustenta e apoia o ser humano em todas as suas dimensões, a saber, corpo mente e espírito.

No belo poema de Rubem Alves podemos ver na analogia do jardim a construção de uma sadia sexualidade, se não construirmos em nós a sexualidade como uma fonte de vida, de amor, de fidelidade e de prazer, não desfrutaremos da beleza e da riqueza que o criador na sexualidade nos reservou.

 

Todo jardim começa com um sonho de amor.

Antes que qualquer árvore seja plantada

ou qualquer lago seja construído,

é preciso que as árvores e os lagos

tenham nascido dentro da alma.

Quem não tem jardins por dentro,

não planta jardins por fora

e nem passeia por eles…

Rubem Alves

[1] NELSON, James B. – Embodiment: An Approach to Sexuality and Christian Theology, Minneapolis, Augsburg, 1978

[2] MOHANA João, A vida sexual dos solteiros e casados, Editora Globo, fevereiro, 1961

Autor: Carlinhos Faria – Teólogo –  Comunidade Javé Nissi

Comunidade Javé Nissi

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