O Mistério da Igreja: A dignidade dos fiéis leigos na Igreja
- Quem são os fiéis leigos (ChL9)
Os bispos sublinharam a necessidade de se delinear e propor uma descrição positiva da vocação e da missão dos fiéis leigos, aprofundando o estudo da doutrina do Concílio Vaticano II à luz tanto dos mais recentes documentos do Magistério como da experiência da mesma vida da Igreja guiada pelo Espírito Santo.
Ao responder à pergunta “quem são os fiéis leigos”, o Concílio, abriu-se a uma visão decididamente positiva e manifestou o seu propósito fundamental ao afirmar a plena pertença dos fiéis leigos à Igreja e ao seu mistério e a índole peculiar da sua vocação, a qual tem como específico “procurar o Reino de Deus tratando das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus. “Por leigos – assim os descreve a Constituição Lumen Gentium – entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tomados participantes, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, exercem pela parte que lhes toca, na Igreja e no mundo, a missão de todo o Povo cristão”.
Segundo a imagem bíblica da vinha, os fiéis leigos, como todos os outros membros da Igreja, são vides radicadas em Cristo, a verdadeira videira, que torna as vides vivas e vivificantes. A inserção em Cristo através da fé e dos sacramentos da iniciação cristã é a raiz primeira que dá origem à nova condição do cristão no mistério da Igreja, que constitui a sua mais profunda “fisionomia” e que está na base de todas as vocações e do dinamismo da vida cristã dos fiéis leigos: em Jesus Cristo morto e ressuscitado o batizado torna-se uma “nova criatura” (Gl 6,15; 2Cor 5,17), uma criatura purificada do pecado e vivificada pela graça.
- O Batismo e a Novidade Cristã
Toda a existência do fiel leigo tem por finalidade leva-lo a descobrir a radical novidade cristã que provém do Batismo, sacramento da fé; a fim de poder viver as suas exigências segundo a vocação que recebeu de Deus. Para descrever a “figura” do fiel leigo, vamos agora considerar de forma explicita e mais direta, entre outras, estes três aspectos fundamentais: o Batismo regenera-nos para a vida dos filhos de Deus, une-nos a Jesus Cristo e ao seu Corpo que é a Igreja, unge-nos no Espírito Santo, constituindo-nos templos espirituais.
a). Filhos no Filho
Recordamos as palavras que Jesus disse a Nicodemos: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5). O Santo Batismo é, pois, um novo nascimento, é uma regeneração.
É pensando nesse aspecto do dom batismal que o apóstolo Pedro irrompe no canto: “Bendito soja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na sua grande misericórdia nos regenerou pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não pode contaminar-se, e imarcescível” (1Pd 1,3-4). Para Pedro, os cristãos são aqueles que foram “regenerados, não de uma semente corruptível, mas incorruptível: pela palavra de Deus viva e eterna” (1Pd 1,23).
Com o santo Batismo tomamo-nos filhos de Deus no seu Unigênito Filho, Jesus Cristo. Ao sair das águas da sagrada fonte, todo o cristão ouve de novo aquela voz que um dia se fez ouvir nas margens do no Jordão: “Tu és o meu Filho muito amado, em ti coloquei todo o meu enlevo” (Lc 3,22), e compreende ter sido associado ao Filho predileto, tomando-se filho de adoção (cf. Gl 4,4-7) e irmão de Cristo. Realiza-se, assim, na história de cada um o desígnio eterno do Pai: “Aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho, a fim de que este seja o Primogênito de muitos irmãos” (Rm 8,29).
É o Espírito Santo que constitui os batizados em filhos de Deus e, ao mesmo tempo, membros do corpo de Cristo. Paulo recorda-o aos cristãos de Corinto: “Foi num só Espírito que todos nos fomos batizados, a fim de formarmos um só corpo” (1Cor 12,13), de forma o apóstolo pode dizer aos fiéis leigos: “Sois agora corpo de Cristo e seus membros, cada um na parte que toca” (1Cor 12,27); “Que vós sois filhos prova-o o fato que Deus mandou aos nossos corações o Espírito do seu Filho” (GI 4,6; cf. Rm 8,15-16). .
b). Um só corpo em Cristo
Regenerados como “filhos no Filho”, os batizados são inseparavelmente “membros de Cristo e membros do corpo da Igreja”, como ensina o Concílio de Florença.
O Batismo significa e realiza uma incorporação, mística, mas real, no corpo crucificado e glorioso de Jesus. Através do sacramento Jesus une o batizado à sua morte para uni-lo à sua ressurreição (Rm 6,3-5), despoja-o do “homem velho” e reveste-o do “homem novo”, isto é, de si mesmo: ‘Todos os que fostes batizados em Cristo – proclama o apóstolo Paulo – vos revestistes de Cristo” (GI 3,27; cf. Ef 4,22-24; Cl 3,9-10). Daí resulta que “nos, embora sendo muitos, constituímos um só corpo em Cristo” ( Rm 12,5). .
Assim, com a efusão batismal e crismal o batizado torna-se participante da mesma missão de Jesus Cristo, o Messias Salvador.
c). Templos vivos e santos do Espírito
Usando uma outra imagem, a do edifico, o apóstolo Pedro define os batizados como “pedras vivas” edificadas sobre Cristo, a “pedra angular’, e destinadas “construção de um edifício espiritual” (lPd 2,4ss.). A imagem introduz-nos num outro aspecto da batismal, e que o Concílio Vaticano II assim “Pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, batizados são consagrados para serem uma morada espiritual”.
O Espírito Santo “unge” o balizado, a sua marca indelével (cf. 2Cor 1,21-22) e faz dele templo espiritual, isto é, enche-o com a santa presença de Deus, graças à união e à conformação com Jesus Cristo.
Com esta espiritual “unção”, o cristão pode, sua vez, repetir as palavras de Jesus: “O Espírito Senhor está sobre mim: por isso me ungiu e me para anunciar a Boa Nova aos pobres, para a libertação aos cativos, e aos cegos o recobrar da vista, para mandar em liberdade os oprimidos e um ano de graça do Senhor’ ( Lc 4,18-19; Is 61,1-2 )
Assim, com a efusão batismal e crismal o batizado torna-se participante da mesma missão de Jesus Cristo, o Messias Salvador.
3. Participantes do múnus Sacerdotal, Profético e Real de Jesus Cristo
Dirigindo-se aos batizados como a crianças recém nascidas, o apóstolo Pedro escreve: “Agarrando-vos a ele pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, vos também, quais pedras vivas, sois usados na construção de um edifício espiritual, por meio de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo… Vos, porém, sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o Povo que Deus adquiriu para anunciar as maravilhas daquele que vos chamou das trevas à sua luz admirável…” (1Pd 2,4-5.9).
Eis um novo aspecto da graça e da dignidade batismal: os fiéis leigos participam, par sua vez, do tríplice múnus – sacerdotal, profético e real – de Jesus Cristo. Trata-se de um aspecto que a tradição viva da Igreja nunca esqueceu.
Múnus sacerdotal – Os fiéis leigos participam do múnus sacerdotal, pelo qual Jesus se ofereceu a si mesmo sobre a Cruz e continuamente se oferece na celebração da Eucaristia para gloria do Pai e pela salvação da humanidade. Incorporados em Cristo Jesus, os batizados unem-se a ele ao seu sacrifício, na oferta de si mesmos e de todas as suas atividades (cf. Rm 12,1-2). Ao falar dos fiéis leigos, o Concílio diz: Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias dificuldades da vida, suportadas com paciência, se tomam em outras tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cf. 1Pd 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo’.
Múnus profético – A participação do múnus profético de Cristo, “que, pelo testemunho da vida e pela força da palavra, proclamou o Reino do Pai” habilita e empenha os fiéis leigos a aceitar, na fé, o Evangelho e a anunciá-la com a palavra e com as obras, sem medo de denunciar corajosamente o mal. Unidos a Cristo, o “grande profeta” (Lc 7,16), e constituídos no Espírito “testemunhas” de Cristo Ressuscitado, os fiéis leigos tomam-se participantes quer do sentido de fé sobrenatural da Igreja, que “não pode errar no crer”, quer da graça da palavra (cf. At 2,17-18; Ap 19,10); eles são igualmente chamados a fazer brilhar a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana, familiar e social, e a manifestar, com paciência e coragem, nos contradições da época presente, a sua esperança na gloria “também por meio das estruturas da vida secular”.
Múnus Real – Ao pertencerem a Cristo Senhor e Rei do universo, os fiéis leigos participam do seu múnus Real e por ele são chamados para o serviço do” Reino de Deus e para a sua difusão na história. Vivem a realeza cristã, sobretudo no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado (cf. Rm 6,12), e depois, medite o dom de si, para servirem, na caridade e na justiça, o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos, sobretudo nos mais pequeninos (cf. Mt 25,40).
Mas os fiéis leigos são chamados de forma particular a restituir à criação todo o seu valor originário. Ao ordenar as coisas criadas para o verdadeiro bem do homem, com uma ação animada pela vida da graça, os fiéis leigos participam do exercício do poder com que Jesus Ressuscitado atrai a si todas as coisas e as submete, com ele mesmo, ao Pai, de forma que Deus seja tudo em todos (cf, 1Cor 15,28; Jo 12,32).
A participação dos fiéis leigos do tríplice múnus de Cristo Sacerdote, Profeta e Rei encontra a sua raiz primeira na unção do Batismo, o seu desenvolvimento na Confirmação e a sua perfeição e sustenta dinâmico na Eucaristia. É uma participação que se oferece a caria um dos fiéis leigos, mas enquanto formam o único corpo do Senhor.
Os fiéis participam do tríplice múnus de Cristo enquanto membros da Igreja. São Pedro define os batizados como “raça eleita, sacerdócio rel, nação Santa, Povo que Deus adquiriu” (1Pd 2,9). Por derivar da comunhão eclesial, a participação dos fiéis leigos do tríplice múnus de Cristo exige ser vivida e realizada na comunhão e para o crescimento da mesma comunhão. Escrevia Santo Agostinho: “Como chamamos a todos cristãos em virtude do místico crisma, assim a todos chamamos sacerdotes porque são membros do único Sacerdote”.