Babel e Jerusalém
Vivemos ainda o clima de início do ano e do início de governos, federal e estadual. Vivemos assim, sempre de inícios e de esperanças… Nesta ânsia, muitíssimas vezes o homem esquece Deus e pensa que pode sozinho, somente com sua boa vontade e inteligência construir um mundo melhor. Ilusão!
No livro do Gênesis, a Escritura conta-nos a aventura de Babel. Esta história em modo de parábola denuncia a tentação constante da humanidade: construir-se sozinha, por si mesma, tendo como única referência a si própria e seus quereres: “Vamos construir para nós… Assim nos faremos um nome” (Gn 11,4). A torre significa a vontade humana de construir uma sociedade, uma obra, voltada para si mesma e a partir de seus próprios critérios e valores, de maneira autônoma – livre – sem considerar Deus. A torre virou Babel, confusão, conflito e dispersão!
Ainda hoje, século XXI, o homem continua querendo construir uma torre, com sua ciência, com sua pretensa autonomia, com sua ilusória liberdade. Julga-se adulto, emancipado, senhor do bem e do mal, verdadeiro “homo sapiens”. Mas, o que tem construído? Que tipo de mundo, de sociedade? Sem valores, sem justiça, muitas vezes, sem esperança. Temos construído Babel!
O salmo 127(126) adverte: “Se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros.” Sim; isto mesmo! Sem abrir-se para Deus o homem não se encontra e não encontra um alicerce firme e profundo o bastante para edificar uma sociedade justa e fraterna (sonho de todos e promessa feita nos palanques). É por isso que a Escritura, à Babel (confusão) contrapõe Jerusalém (visão da paz em plenitude, da realização plena).
Mas o homem não edifica Jerusalém com suas forças. O Apocalipse diz que ela desce do céu, como dom gracioso de Deus. A paz, a salvação, o encontro do homem consigo mesmo e com os outros somente podem acontecer com a abertura para o Senhor. A humanidade plenamente realizada, a “civilização do amor”, sonho de todos nós, só será possível a partir da conversão ao Evangelho de Deus.
Novo ano, novo governo, novas propostas, novas esperanças. Tudo tão novo, e tão velho. Que as esperanças sejam atentas: Se o Senhor não construir… tudo será em vão!
Não temos ilusões! Não é a esquerda quem vai salvar o Brasil; tampouco a direita, o centro ou qualquer outra ideologia. Não adiantam os planos mirabolantes e as promessas vazias. Cremos no Senhor Jesus que salvou o mundo sendo fiel ao Pai e aos irmãos na caridade solidária. Pelo batismo estamos engajados no esforço de transformar as realidades injustas, que produzem a civilização de morte, a partir dos critérios do Evangelho.
Foi um enorme custo conseguir enterrar o regime militar de 1964 e reiniciar a prática democrática no Brasil. A Igreja participou ativamente desse processo por acreditar que, com todas as falhas e misérias, o regime democrático ainda é o que melhor possibilita o crescimento global das pessoas. Não que a democracia seja um paraíso e não seja usada muitas vezes como pretexto para tudo quanto é insensatez e desumanização.
Quando os planos humanos desabam, quando os prognósticos otimistas se revelam enganosas ilusões, nós, discípulos do Senhor Jesus, cheios de serena esperança, devemos continuar fiéis ao Senhor, atentos ao que o Evangelho nos pede e a caridade fraterna exige.
Há um mundo a ser construído, há tanto amor a ser testemunhado, há esperança a ser plantada. E, se não formos nós, quem o fará? Somos sal, somos luz. Um antigo documento cristão do século II dizia que os cristãos no mundo estão em tal situação, têm tal responsabilidade que não lhes é permitido voltar atrás.
Vamos, abramo-nos ao “Senhor que vem” e nossa Babel vai se transformar em Jerusalém!