Orientações sobre o sacramento da Eucaristia (Livro IV do Código de Direito Canônico)
O c. 945 inicia o capítulo III, o qual regula sobre os estipêndios ou espórtulas oferecidos para a celebração da missa. O termo estipêndio é traduzido no dicionário comum como oferta, donativo, pagamento ou oferta que era dada ao sacerdote por ocasião da celebração da Santa Missa. Tal costume remonta à vastíssima tradição na Igreja em que os fiéis levavam também para a celebração, além do pão e do vinho outras matérias para a sustentação do clero e o alimento para os mais necessitados.
O código evita a palavra estipêndio (stipendium missae) por considerar tal termo estranho à natureza própria desta oferta, enquanto leva consigo uma conotação de remuneração, recompensa ou paga em troca da celebração pela intenção do oferente. Além disso, o termo stipendium é largamente utilizado na linguagem jurídica como sinônimo de pagamento ou remuneração. A espórtula (stips), de acordo com a sua origem histórica, significa contribuição a favor de uma obra pública, oferta em honra de Deus ou para socorro dos necessitados.
O cân. 945 determina a liceidade da espórtula, como direito do sacerdote de recebê-la e que deve ser aplicada por determinada intenção. Por meio da espórtula, os fiéis contribuem para o bem da Igreja e participação do seu cuidado pastoral no sustento dos ministros e das obras da Igreja (cf. c. 946). Deve-se evitar qualquer aparência de negócio ou comércio (c. 947).
Vale frisar que a oferta não é nenhuma espécie de retribuição em troca da intenção da Missa. Uma vez aceita a espórtula, o sacerdote deve zelar para que a missa seja celebrada por aquela intenção. Há outras normas específicas (cf. cc. 948-950). A nenhum sacerdote é permitido receber a oferta correspondente a uma missa (c. 951). As demais ofertas por outras missas devem ter a destinação prescrita pelo Ordinário do Lugar (Bispo). O valor estipulado para as espórtulas (ou estipêndios) deve ser determinado pelos bispos da província por meio de decreto (c. 952). O código ainda prevê outras situações ou pessoas encarregadas para celebração das missas com intenção (cf. cc. 953-956). O Ordinário do Lugar é o responsável para zelar do cumprimento dos encargos das missas a serem celebradas (c. 957). Para o controle das missas com intenções ou missa gregoriana (celebração ininterrupta por 30 dias) deve haver um livro específico para constar o número de missas a celebrar, a intenção, o estipêndio oferecido e as missas já celebradas (cf. c. 958).
No início da Igreja, os cristãos, ao participarem da Santa Missa, levavam consigo dons naturais (pão, vinho, leite, frutas, mel etc.). Depois, passou a se fazer doações também em dinheiro por ser mais prático. A Igreja, como uma sociedade também humana e inserida neste mundo, precisa de dinheiro para exercer a missão de pregar o Evangelho, confiada a ela pelo próprio Cristo, desde os tempos d’Ele. Os doze apóstolos tinham uma caixa comum (cf. Jo 12,6). Jesus aceitava que algumas mulheres os ajudassem com seus bens, entre elas, Maria Madalena, Joana, mulher de Cuza; Susana e várias outras (cf. Lc 8,1-3).
A primeira comunidade cristã em Jerusalém praticava a voluntária partilha de bens (cf. At 2,44; 5,1-6). Jesus elogiou a oblação da viúva no Tesouro do Templo: “Em verdade eu vos digo que esta viúva, que é pobre, lançou mais do que todos os que ofereceram moedas ao Tesouro. Pois todos os outros deram do que lhes sobrava; ela, porém, na sua penúria, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver” (Mc 12,42-44).
A prática das espórtulas foi inspirada na Sagrada Escritura, de modo específico, no Novo Testamento. Possui uma dupla significação: Primeiramente, para quem oferece sua oferta, trata-se de uma forma de participar, de modo mais íntimo, da oblação eucarística e dos frutos desta celebração. É expressão da fé e do amor com que tem acesso ao Pai por Cristo no Espírito Santo. Assim, as espórtulas se justificam como a expressão da fé e do amor dos fiéis que desejam participar da Santa Missa e receber os seus frutos; Em segundo, as espórtulas são um meio de sustentação, de forma legítima, baseada na tradição bíblica. Difere-se da simonia, isto é, de comércio com as coisas sagradas. Após o Concílio do Vaticano II (1962-1965), que fez um balanço da vida eclesial, considerando as suas necessidades, o Papa Paulo VI regulamentou as espórtulas da Missa, em 13/06/1974, quando publicou o Motu Próprio, Firma in Traditione. Depois disso, o assunto foi regulamentado também pelo Papa João Paulo II, em 22 de janeiro de 1991, no Decreto Sobre as Espórtulas, preparado pela Sagrada Congregação para o Clero. O que o Catecismo da Igreja Católica diz no §2043: “Os fiéis cristãos têm ainda a obrigação de atender, cada um segundo as suas capacidades, às necessidades materiais da Igreja”.
Autor: Pe. Clemildes Francisco de Paiva, Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Santa Rita do Sapucaí, Professor da Faculdade Católica de Pouso Alegre e Juiz do Tribunal Eclesiástico de Pouso Alegre.