A cultura de morte – O Paradoxo Adolescente Parte I
“Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se” (Tg 1,19b)
A morte faz parte da vida. Quem escuta esta frase pode ficar pensativo ou voltar a lê-la para pensar melhor sobre ela. Não há problema falar sobre a morte, já que ela faz parte da vida e é uma condição comum a todos seres humanos: todos que nascem, morrem!
Na adolescência, falar de morte torna-se natural e é quase uma condição para o mesmo, já que é nítido que eles passam por um período de luto, ou seja, um período que precisam elaborar a morte da infância e o começo da vida adulta.
Pressupondo que a infância foi vivenciada de maneira plena, a adolescência surge como um “segundo desafio”, onde necessariamente o adolescente precisa dar conta de um corpo em transformação. Há uma aguda sensibilidade em relação ao mundo interior, enfrentando permanentes demandas do mundo exterior e vivendo uma extrema complexidade de emoções e sentimentos para os quais o jovem ainda não desenvolveu um repertório mental que lhe permita sua gestão.
No período da infância nos sentimos como sendo do outro, aliás, nós nos vemos nesta condição (sou da mamãe, do papai, da vovó, do vovô) e, ao entrarmos na adolescência é que começamos a ter a percepção de que nosso corpo nos pertence. Por um lado, isso é libertador, pois é dessa percepção que construímos nossa maturidade caminhando rumo a vida adulta, com planos, objetivos e responsabilidades, mas por outro lado, pode ser gerada uma grande angústia e sofrimento, já que para uma grande porção de adolescentes esse momento é vivido como “não pertenço a ninguém e ninguém está por mim”.
Este paradoxo liberdade/solidão, comum aos adolescentes, leva a fantasias pertinentes a sua própria morte (como seria a reação dos entes queridos frente a minha morte) e depende da forma de elaboração dessas fantasias, o desejo de morte pode surgir (para levar o outro a sentir a sua falta).
Em um dos seus textos (Luto e Melancolia – 1917 [1915]), Freud afirma que ninguém tem energia suficiente para tirar a própria vida, a não ser que chegue à conclusão de que tirando a própria vida está matando alguém em si. Assim fica fácil entender como algumas chegam a tirar sua própria vida – é a eternização da falta que causa no outro com a própria morte.
Portanto, a melancolia faz parte do processo de adolescer até que eles encontrem motivos reais e próprios para viver, por meio do amor, de amizades e paixões. Expressar toda sua angústia, preocupações e tristezas permite que o adolescente se descubra, mesmo que seja diferente dos pais.
Se o adolescente consegue elaborar a tristeza pertinente a sua fase, verbalizando o que o incomoda, ele estará bem e conseguirá dar continuidade no processo de desenvolvimento rumo a vida adulta. Mas se ele não consegue verbalizar e permanece em sofrimento e se depara com motivadores como o jogo “Desafio da Baleia Azul”, o adolescente verá neste jogo a solução para toda a sua tristeza – além da autopunição, terá a oportunidade, incentivado por outros, a pôr fim a toda sua tristeza existencial.
Aqui, cabe o alerta a todos os pais – falar sobre as tristezas demanda a “escuta” – o ouvir com carinho, com atenção, com amor, com compaixão, com zelo e com entendimento, pois só assim nossos filhos serão capazes de superar todas as suas angústias.
Incluir temas e acontecimentos recentes como o ‘desafio da Baleia’, ‘GTA’ (Jogo de vídeo game super agressivo), a série ’13 Reasons Why da Netflix’ e sobre todas as coisas da vida, oportuniza os adolescentes a falarem sobre suas questões.
Convido você leitor a permanecer nesta leitura no tema seguinte. Falaremos sobre a automutilação, acontecimento que tem deixado educadores, pais e profissionais em alerta.
Autor: Lú Cazaroto – Psicóloga – Comunidade Javé Nissi