A Fé no mundo contemporâneo
“Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade” (1Cor 13,13). Atualmente muitos cristãos empenham-se mais com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, pressuposto de sua atividade. Muitas vezes, tal pressuposto não só deixou de existir, mas é frequentemente negado. No passado recente era possível reconhecer uma sociedade sensível aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados. Hoje parece que não é assim devido a uma crise de fé que atingiu em grande parte nossa sociedade.
A racionalidade científica e a cultura técnica, ultrapassando suas especificidades, pretendem estabelecer a certeza da razão, como único critério das próprias conquistas. Desta forma a capacidade humana acaba por ser considerada a medida do agir, dissociada de qualquer norma moral. Neste contexto aparece, de maneira confusa, uma exigência e uma crescente busca de espiritualidade, que demonstra a inquietação do coração do homem que não se abre ao transcendente de Deus. Esta situação de secularismo caracteriza, sobretudo, as sociedades de tradição cristã como a nossa, corroendo o tecido cultural.
Um sinal disto é a diminuição da prática religiosa consciente; muitos batizados perderam a identidade e a pertença: não conhecem os conteúdos essenciais da fé, ou pensam que a podem relativizar dispensando a mediação eclesial. Alguns duvidam das verdades ensinadas pela Igreja, outros reduzem o Reino de Deus a alguns valores sociais, que têm a ver com o Evangelho, mas não dizem respeito ao âmago da fé cristã. O Reino de Deus é dom que nos transcende.
Como afirmava São João Paulo II, “o Reino de Deus não é um conceito, uma doutrina, um programa sujeito a livre elaboração, mas é acima de tudo uma Pessoa, que tem o nome e o rosto de Jesus de Nazaré, imagem do Deus invisível” (R.M.). Infelizmente, Deus é excluído do horizonte de muitas pessoas; e quando não encontra indiferença, reduz-se o discurso sobre Deus ao âmbito subjetivo, limitado a uma questão íntima e particular, marginalizado pela consciência pública. O coração da crise mundial é a crise espiritual e moral, gerada pelo abandono e fechamento a Deus: o homem pretende ter uma identidade e liberdade completa em si mesmo.
O Papa Paulo VI indicava claramente que a tarefa da Igreja, portanto nossa tarefa, é “chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (Evangelii Nuntiandi).
Numa época em que, para muitos, Deus se tornou o grande Desconhecido e Jesus simplesmente um grande personagem do passado, não haverá evangelização sem a renovação da qualidade da nossa fé e da nossa oração; não seremos capazes de oferecer respostas adequadas, sem um acolhimento renovado do Espírito Santo; não saberemos conquistar para o Evangelho, se nós mesmos não formos os primeiros a viver uma profunda experiência de Deus.
Não podemos aceitar que o sal perca o sabor e que a luz seja escondida (Mt 5,13-16). O homem contemporâneo precisa ir, como a samaritana, ao poço, para ouvir o convite de Jesus a crer nEle e a beber da fonte de água viva (Jo 4,14). Jesus nos ensina a trabalhar “não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). A questão posta na ocasião é a mesma que é colocada hoje: “Que devemos fazer para praticar as obras de Deus?” (v.28). A resposta é para o homem de hoje também: crer n’Aquele que Deus enviou (v.29). Por isso, a fé em Jesus Cristo é o caminho para se chegar à salvação, estabelecendo o critério do Evangelho para a edificação da sociedade humana.