A esperança do Reino
Nestes “tempos bicudos” que vivemos existe uma tensão angustiante entre a realidade que vemos e o que o coração sente e deseja. É próprio do homem, sobretudo da juventude, sonhar e desejar mudar as coisas que nos incomodam, algumas por serem injustas, outras por serem incompreensíveis, outras por serem violentas e ferirem nossa sensibilidade. Essa inconformidade com o que nos cerca, ou melhor, com o que sonhamos, nos empurra para frente e não nos deixa acomodar, “criar limo em baixo da pedra”. Ao descobrir a força transformadora do Evangelho de Cristo, um jovem escreveu numa cartolina e a pregou atrás da porta de seu quarto, para ser lida todos os dias: vou mudar o mundo! Esta frase servia de força motivadora, das opções, entregas, e nos sofrimentos, um consolo.
O Evangelho é uma semente transformadora, é semente do amanhã, é liberdade e esperança. O reino futuro do Cristo ressuscitado não só deve ser esperado e aguardado, mas também vivenciado no hoje de nossa história. Essa esperança e expectativa devem modelar a vida da sociedade. Por isso evangelizar significa não somente propagação da fé e da esperança, mas também transformação histórica da vida. A vida pessoal, e, portanto, também a vida social e pública é exigida como sacrifício na obediência diária (Rm 12,1ss). Não se conformar com este mundo não só significa transformar-se a si mesmo, mas através da perseverança e da ação criativa transformar o mundo em meio ao qual se vive, se espera e se ama.
A esperança do Evangelho tem uma relação de conflito e de libertação não só para com as ideologias, mas, sobretudo, para com a vida real e prática dos seres humanos e as circunstancias em que se leva esta vida. É muito pouco dizer que o reino de Deus só tem que se ocupar da pessoa. A justiça e a paz do reino prometido não são conceitos relativos; referem-se também as relações dos seres humanos entre si e para com o mundo, do contrário, a fé é mera ilusão.
A esperança cristã suscita na vida da sociedade humana a “questão do sentido”, porque não consegue viver em paz com as situações que devem ser transformadas, a esperança gera um “estado de inconformidade” que busca a mudança, e ainda critica esse ideal moderno de “ausência de tensões” como sendo nada mais do que uma nova forma do nada e da morte. Ela, a esperança, na realidade, está orientada para as relações verdadeiramente justas do reino de Deus que vem. Por isso, ela busca retirar-nos das tendências a acomodação e lançar-nos ao futuro que ela espera. A esperança cristã questiona o que é existente e assim está a serviço do que há de vir. Supera o atual e o presente pela orientação para o novo esperado e procura ocasiões para fazer corresponder sempre mais a realidade presente ao futuro prometido.
O horizonte de esperança, no qual deve ser desenvolvida a doutrina cristã do comportamento, é o horizonte escatológico da esperança do reino de Deus, de sua justiça e de sua paz, da nova criação e de sua liberdade e sua humanidade para todos os seres humanos. Somente esse horizonte de esperanças deve modelar e transformar o presente, em meio as dificuldades e ao sofrimento, na realidade inacabada. A esperança coloca-nos em conflito com a forma atual da sociedade e nos faz aceitar a “cruz do presente”.
Na difícil experiência entre a palavra da promessa e a realidade do sofrimento e da morte, a fé se apoia na esperança e “se lança para fora deste mundo”. Isso não quer dizer que a fé cristã foge deste mundo, mas que busca o futuro. Crer significa, na realidade, transpor fronteiras, estar em êxodo. Mas isso não nos aliena: a morte é morte verdadeira e a dor é a dor. O pecado permanece pecado e o sofrimento, mesmo para a fé, continua sendo, muitas vezes, um clamor sem resposta imediata.
A esperança transcende essas realidades, pois não se refugia no céu nem na utopia e, tampouco, sonha estar em outra realidade. Ela apenas pode transpor os limites da vida humana, apenas pela aceitação do Cristo ressuscitado. Onde, pela ressurreição do crucificado, foi rompida a barreira contra a qual se despedaçava a esperança humana. A fé pode e deve alargar-se em esperança cristã. Ela se torna ousadia e paciência; assim a esperança se torna paixão pelo possível (Kierkegaard), porque pode agora ser paixão por aquilo que se tornou possível.
Se faltar a esperança, por mais que falemos da fé de forma genial e eloquente, podemos estar certos de que não temos nenhuma! A esperança nada mais é do que a espera das coisas que, conforme a convicção da fé, foram por Deus realmente prometidas. Ninguém pode esperar qualquer coisa de Deus, se antes não crer em suas promessas; mas, ao mesmo tempo, nossa fé, para não desfalecer pelo cansaço, deve ser sustentada e conservada, a fim de que pacientemente esperemos e aguardemos.
Na vida cristã a fé é o fundamento, mas a esperança detém o primado. Sem o conhecimento de Cristo pela fé, a esperança se torna uma utopia que paira em pleno ar; sem a esperança, entretanto, a fé decai, torna-se fé pequena e finalmente fé morta. Por meio da fé, o ser humano entra no caminho da verdadeira vida, mas somente a esperança o conserva nesse caminho. Dessa forma, a fé em Cristo transforma a esperança em confiança e certeza; e a esperança torna a fé em Cristo ampla e dá-lhe vida. Crer significa transpor, com esperança antecipadora, os limites que foram rompidos pela ressurreição do crucificado.