MOEDA DE TROCA
Um dos males que mais afeta a sociedade atual é a desconsideração do ser humano com os seus. Parece que em nossos dias palavras como dignidade e integridade ou perderam seu sentido ou são totalmente desconhecidas, não se trata da mera pronúncia ou visualização, referimo-nos a internalização desses significados. O egoísmo tem reinado com todas as forças, onde não é nada incomum vermos pessoas tratando as outras como seu objeto de prazer, como clicar numa página para assistir um vídeo que lhe interessa e depois simplesmente deletá-la, ou mesmo, pular a cena como uma memória distante, fora de mim que não vivi e nem internalizei.
Não se trata somente da dimensão sexual que é uma das mais gritantes no momento, vale ressaltar também as próprias relações que deveriam ser de amizade. Contudo, o que mais assusta, além de uma pessoa fazer isso com a outra, é, ela própria se sujeitar a isso, e aparentemente, com consciência.
Não pontuamos essas afirmações como parte de um discurso religioso e moralista, pelo contrário, trata-se de uma questão humana, da essência de nossa vivência e dos mais profundos anseios que nos cercam. Por mais que façamos parecer modernidade, tais relações, elas escondem uma razão primeira, essencial, por vezes não experimentada, daí seu aparente descaso, isto é: o medo de amar e ser amado (a)!
Podemos conseguir muito em nossa vida, desde aquisições materiais a milhares ou milhões de links nas redes sociais, 5, 10, 15 milhões de seguidores, milhares de amigos no facebook, nada disso é capaz de suprir um simples abraço, um olhar sincero que ultrapassa a beleza, a fama, o dinheiro. Somos humanos, nascemos para relações, necessitamos delas e, objetivamente, não vivemos sem elas!
Basta observamos o crescimento devastador das doenças psicossomáticas, da obesidade mórbida (na maioria das vezes, filha da ansiedade e da busca desmedida de prazer), das mazelas sociais que vão desde a corrupção e promiscuidade, onde no fundo de todas elas ou está um ser humano egoísta, carcomido pela ganância e ostentação, ou ainda, um ser humano sem estrutura familiar, e vale ressaltar, não falamos de uma estrutura material (casa, carro e até mesmo comida – sem dúvida necessários), mas simplesmente de um amor paterno, materno, de irmãos, de compromisso mútuo, de sintonia, de cuidado recíproco.
Podemos até parafrasear o ensino de Jesus: dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus! Dai as redes sociais e relações virtuais o que a elas cabem e às pessoas aquilo que lhes é próprio, isto é, amor, atenção, tempo, carinho etc. É possível viver intensamente todas as coisas, mas não podemos titubear em coloca-las, cada uma, no seu devido lugar. Um relacionamento, uma amizade, uma família, não se comparam nem de longe ao correr do dedo numa tela de celular, então despertemos, reservemos tempo, atenção e amor às pessoas que nos cercam, abandonemos a virtualidade das relações, assumamos uma vida real, com problemas, com pessoas de aparência, por vezes, diferente daquela que a rede social nos apresenta, que nos contrariam, que nos magoam, que nos perdoam etc.
Somos pessoas e não coisas, somos sentimentos e não links, somos razão e também coração, somos vida e geramos vida! Que venham novas amizades, novas relações, novas curtidas, muitos links, mas que nunca deixemos de lado quem verdadeiramente nos ama por prazeres mesquinhos, ou simplesmente pelo fato de que elas não nos dão tudo que queremos ou como queremos. Somos seres de relações, e estas, se constroem, com perdas e ganhos, com agrados e desagrados, somos vida, somos dinâmicos e precisamos de amor!
A moeda sim, pode e deve ser trocada, pessoas e relacionamentos não! Estas (pessoas/relações) são vivenciadas, experimentadas, algumas vezes podem até nos frustrar, porém que não seja esta a razão para nos desanimar ou até desistirmos de amar e perdoar! Alguém já disse: “hoje as pessoas sabem o preço de tudo e o valor de nada”! Valor tem a ver com relacionamento, entrega; preço tem a ver com troca, desapego, lucro.
Findamos nossas palavras neste pequeno esboço, com uma frase atribuída ao grande líder budista, Sidarta Gautama: “Você, o seu ser, tanto quanto qualquer pessoa em todo o universo, merece o seu amor e sua afeição” (Buda).
Autor: José Carlos Faria – Carlinhos – Teólogo – Comunidade Javé Nissi