Carta de uma jovem ateia
Na última Páscoa, quando eu estava apenas começando a explorar a possibilidade de que devia haver algo a mais na fé católica, ao contrário do que eu havia suposto e sido levada a acreditar, eu li “Cartas a um jovem católico”, de George Weigel, e uma passagem em particular me chamou a atenção.
Falando dos milagres do Novo Testamento e do significado da fé, Weigel escreve:
“Na visão católica das coisas, andar sobre as águas é algo totalmente sensato a se fazer; ficar no barco, atendo-se obstinadamente às nossas pequenas comodidades, é que é loucura.”
Nos meses seguintes, aquela vida fora do barco — a vida da fé — começaria a fazer cada vez mais sentido para mim, até que eu eventualmente não pudesse mais justificar ficar parada. No último fim de semana eu fui batizada e confirmada na Igreja Católica.
Isso, é claro, não era para acontecer. Fé não é algo que se espera que a minha geração assuma, mas que deixe de lado. Eu fui criada sem nenhuma religião e tinha oito anos quando aconteceu o atentado de 11 de setembro. Religião era algo irrelevante na minha vida pessoal e que tinha preenchido meus anos de escola com um pano de fundo de notícias violentas e extremistas. Eu lia avidamente Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens, cujas ideias eram tão parecidas com as minhas que eu podia empurrar quaisquer incertezas que tivesse para o fundo da minha mente. No fim das contas, qual alternativa havia para o ateísmo?
Na adolescência, percebi que precisava ler além dos meus polemistas favoritos, bem como começar a pesquisar as ideias dos mais egrégios inimigos da razão, os católicos, a fim de defender com mais propriedade minha visão de mundo. Foi aqui, ironicamente, que os problemas começaram.
O irritante do catolicismo é a sua coerência: uma vez que você aceita a estrutura básica de conceitos, todas as outras coisas se ajustam no lugar com uma incrível rapidez.
Comecei lendo o discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona, consciente de que ele havia gerado controvérsia na ocasião e era uma espécie de tentativa — fútil, é claro — de reconciliar fé e razão. Também li o menor livro dele que pude encontrar, On Conscience. Eu esperava — e desejava — achar alguma intolerância e irracionalidade que pudesse justificar meu ateísmo. Ao contrário, fui colocada diante de um Deus que era o Logos; não um ditador sobrenatural esmagando a razão humana, mas o parâmetro auto-expressivo de bondade e verdade objetiva pelo qual se orienta e se completa a nossa razão, um ente que não controla roboticamente a nossa moralidade, mas, ao contrário, é a fonte de nossa capacidade de percepção moral, uma percepção que requer desenvolvimento e formação por meio do exercício consciente do livre arbítrio.
Era uma percepção da fé mais sutil, mais humana e, sim, mais credível do que eu esperava. Não me conduziu a nenhuma grande epifania espiritual, mas animou-me a olhar mais para o catolicismo, e a reexaminar alguns dos problemas que eu tinha com o ateísmo a partir de um olhar mais crítico.
Primeiro, moralidade. Na minha cabeça, uma moralidade ateísta tendia a dois campos igualmente problemáticos: ou era subjetiva ao ponto da insignificância ou, quando seguida logicamente, implicava efeitos intuitivamente repulsivos, como a posição de Sam Harris a respeito da tortura. Mas as mais atraentes teorias que podiam contornar esses problemas, como a ética das virtudes, geralmente o faziam pressupondo a existência de Deus. Antes, com minha compreensão caricata de teísmo, eu acharia isso nonsense. Agora, com o entendimento mais detalhado que eu começava a desenvolver, eu não tinha mais tanta certeza assim.
Depois, metafísica. Eu logo percebi que confiar nos neo-ateístas para argumentar contra a existência de Deus tinha sido um erro: Dawkins, por exemplo, dá um tratamento propositalmente superficial a Santo Tomás de Aquino em “Deus, um delírio”, lidando apenas com um resumo das cinco vias do Aquinate — e distorcendo as provas resumidas, ainda por cima. Inteirando-me totalmente das ideias aristotélico-tomistas, descobri nelas uma válida explanação do mundo natural, contra a qual os filósofos ateístas haviam falhado em fazer um ataque coerente.
O que eu ainda não entendia era como uma teologia que operava em harmonia com a razão humana podia ser, ao mesmo tempo, nas palavras de Bento XVI, “uma teologia fundamentada na fé bíblica”. Eu sempre tinha assumido que a sola scriptura, com suas evidentes falácias e deficiências, era o modo como todos os cristãos crentes e consistentes liam a Bíblia. Por isso, fiquei surpresa ao descobrir que essa visão podia ser robustamente refutada seja através de um ponto de vista católico — lendo a Bíblia através da Igreja e de sua história, à luz da Tradição — seja através de um ponto de vista ateu.
Procurei por absurdos e inconsistências na fé católica que pudessem descarrilhar minhas ideias da inquietante conclusão à que eu me dirigia, mas o irritante do catolicismo é a sua coerência: uma vez que você aceita a estrutura básica de conceitos, todas as outras coisas se ajustam no lugar com uma incrível rapidez. “Os mistérios cristãos são um todo indivisível”, escreveu Edith Stein em “A ciência da cruz”: “Se nos tornamos imersos em um deles, somos levados a todos os outros”. A beleza e autenticidade até das partes aparentemente mais difíceis do catolicismo, como a moral sexual, tornaram-se claras quando não eram mais vistas como uma lista descontextualizada de proibições, mas componentes essenciais no corpo intricado da doutrina da Igreja.
Restava um último problema, porém: minha falta de familiaridade com a fé enquanto algo vivido. Para mim, toda a prática e linguagem da religião – oração, hinos, Missa – era algo totalmente estranho, em cuja direção eu relutava dar o primeiro passo.
Minhas amizades com católicos praticantes finalmente me convenceram que eu tinha que tomar uma decisão. Fé, no fim das contas, não é meramente um exercício intelectual, um assentimento a certas proposições; é um radical ato da vontade, que engendra uma mudança da pessoa inteira. Os livros me levaram a ver o catolicismo como uma conjectura plausível, mas o catolicismo como verdade viva eu só comecei a entender observando aqueles que já serviam a Igreja por meio da vida da graça.
Eu cresci numa cultura que tem amplamente dado as costas para a fé. Por isso eu era capaz de tocar a vida em frente sem que meu ateísmo deformado fosse posto à prova, e isso explica pelo menos parcialmente a grande extensão de apoio popular que têm os neo-ateístas: para cada ateu ponderado e bem informado, haverá outros com nenhuma experiência pessoal de religião e nenhum interesse em argumentar simplesmente aderindo à maré cultural.
No entanto, à medida que a popularidade do ateísmo beligerante e presunçoso for decaindo, cristãos sérios capazes de explanar e defender a sua fé se tornarão uma presença cada vez mais vital na esfera pública. Espero que eu seja um pequeno exemplo da força de atração que a Igreja Católica ainda carrega em uma era que às vezes parece tão irremediavelmente oposta a ela.
Megan Hodde
Em 30 de agosto de 2013: “A ortodoxia ateísta que me trouxe à fé”.
Acesso em 20.11.2018: https://padrepauloricardo.org/blog/a-ortodoxia-ateista-que-me-trouxe-a-fe