Cristianismo dos nossos dias
Comentário:
A situação atual do cristianismo preocupa não só os católicos, mas os cristãos de modo geral. O avanço de islamismo no mundo é um fator de reflexão e análise na área da ciência das religiões. No centro está a questão do relativismo da fé.
O primeiro texto é tirado do site evangélico https://guiame.com.br/ que publicou este breve ensaio demonstrando a mesma preocupação que temos. Texto interessante que questiona: “Será que um evangelho raso está sendo engolido, manco devido à sua parcialidade, e que é compreendido e aceito à medida que “funciona” para meu benefício próprio? Um evangelho exclusivamente para a vida privada, no qual faço escolhas a partir do meu gosto pessoal e meu bem-estar e se algo der errado recorro a Deus como uma espécie de magia a meu dispor”?
O segundo texto é do professor Felipe Aquino, conhecido catequista católico, a respeito do relativismo no ambiente da fé. Texto que dispensa comentários.
Cristianismo dos nossos dias
Taís Machado
https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/cristianismo-dos-nossos-dias.html
O cristianismo tem sido bastante criticado hoje em dia. Os cristãos parecem andar um pouco confusos em sua identidade, ou, em dar razão de sua fé. A incoerência entre discurso e prática pode ser ofensiva, além de desabilitar os empolgados e fazer cair em descrédito alguns perseverantes.
Nossa preocupação em “defender” Deus, como se ele precisasse e nós pudéssemos, pode nos fazer pouco interessados no próximo, além de relapsos ouvintes, nos descredenciando para um diálogo saudável e dificultando a criação de novos espaços na proclamação.
Chamou-me a atenção o que disse em recente entrevista um dos mais influentes historiadores vivos, Eric Hobsbawm, 92 anos, quando fez algumas ponderações a respeito das religiões.
Fiz um recorte para nossa reflexão: “Está claro que a religião está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são. […] Muitas religiões estão claramente em declínio. […] A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos. […] Me parece que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua – em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais. Mas um cristão não crê que vale tanto quanto qualquer outro cristão. Duvido que os cristãos negros acreditem que valham tanto quanto os colonizadores cristãos, enquanto alguns muçulmanos negros acreditam nisso, sim. A estrutura do islã é mais igualitária, e o elemento militante é mais forte no islã”.
Por meio dos comentários desse tão respeitado historiador, somos provocados a refletir a respeito de nossa postura e prática. Podemos considerar, a partir da fala dele, que há ainda espaço para a religião e ela não pode ser descartada, ou mesmo, menosprezada. As religiões estão enraizadas na história da humanidade. E, se assim é, podemos nos perguntar como temos tirado proveito disso e procurado aprofundar os estudos e oferecer leituras do nosso tempo partindo da ótica cristã. Inclui-se aí, sobretudo, o tema da pobreza e do sofrimento e de como lidamos com tudo isso, sendo Deus soberano e amoroso.
Outro dado interessante ressaltado por ele é o crescimento do islã. Como pode uma religião ter a maior expansão “sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos”? Em seu argumento, Hobsbawm coloca que isso se deve à estrutura igualitária e à militância forte. Isso nos faz refletir sobre a razão de não termos mais gente engajada na missão, pessoas rendidas sem restrições ao senhorio de Cristo. Homens e mulheres que participem intensamente do Reino de Deus, percebendo-se como agentes de transformação, parceiros de Deus na história de salvação.
Será que um evangelho raso está sendo engolido, manco devido à sua parcialidade, e que é compreendido e aceito à medida que “funciona” para meu benefício próprio? Um evangelho exclusivamente para a vida privada, no qual faço escolhas a partir do meu gosto pessoal e meu bem-estar e se algo der errado recorro a Deus como uma espécie de magia a meu dispor?
Há uma infantilização da fé promovendo uma espécie de Peter Pan do reino (encantado). Esta doença nos faz continuar pensando eternamente como crianças, diferentemente do apóstolo Paulo, que testemunha ter vivenciado outros estágios em seu desenvolvimento (1Co 13.11).
Nosso jeito de viver não atrai ninguém para Cristo? Desconfio que, ao invés de atrair, permanecemos traindo ao nosso Senhor Jesus. Se Cristo não mudou nosso jeito de vivermos “cada um na sua e tão somente para si”, é preciso rever quem é esse Cristo e ter clareza de sua falsidade. Parafraseando Paulo, “se alguém vier com outro ‘evangelho’, querendo perverter o evangelho de Cristo, perturbadores desejosos de mudar a mensagem de Jesus, saibam recusar, conscientizem-se de que esses tais não passam de malditos enganadores. Não se pode aceitar um evangelho diferente do que aquele pregado e ensinado pelo próprio Jesus. Afinal, isso seria uma perversão” (Gl 1.6-9). Paulo, naquele contexto, salienta o caminho da graça e explica que não há outro. Entretanto, hoje há oferta de outros evangelhos na praça, e um mais ensimesmado do que outro.
Há até castas, numa possível versão cristã, em nosso meio. Olha a que ponto chegamos. Um historiador, ao observar a postura dos cristãos e observar a postura de muçulmanos, conclui que estes últimos conferem às “pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras” enquanto os cristãos, não. Antes de querer atacá-lo, podemos aproveitar a oportunidade para avaliar nossa postura, verificar como de fato temos vivido o evangelho de Jesus. O Messias tanto ensinou e insistiu no amor e, conforme o apóstolo Paulo salienta, é preciso vivermos de forma cristalina que em nosso meio já não há hierarquias. Não pode haver diferenças no trato, criando privilegiados e desprezados. Não, “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).
Como já clamava, em 1989, o respeitado pastor John Stott, “na sociedade contemporânea existe uma grande necessidade de mais pensadores cristãos se lançarem ao debate público, assim como de mais ativistas cristãos organizando grupos de pressão a fim de promover uma obra de persuasão. Sua motivação deveria ser inteiramente cristã – uma visão do Deus que ama a justiça, a compaixão, a honestidade e a liberdade em sociedade, e uma visão do ser humano que, embora caído, foi criado à imagem de Deus e é, portanto, moral, responsável e tem uma consciência que deve ser respeitada”.
A fraca atuação da igreja, ou mesmo a omissão em questões tão importantes em nossa sociedade, bem como nossa passividade frequente diante das injustiças sociais, têm feito pessoas ao nosso redor tamparem os ouvidos quando desejamos falar do amor de Deus. Têm também promovido a descrença quanto ao evangelho como poder de Deus para a salvação (Rm 1,16).
Consulta em 15.08.2018
O relativismo no ambiente da fé
Professor Felipe Aquino https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/o-relativismo-no-ambiente-da-fe/
O relativismo atual coloca a ciência como uma deusa que vai resolver todos os problemas do homem; a qual está acima da moral e da religião
O que é o relativismo moral e religioso? É uma linha de pensamento que nega haver uma “verdade absoluta e permanente” como a Revelação de Deus nas Escrituras e na Tradição da Igreja. Então, deixa por conta de cada um definir a “”sua” verdade” e aquilo que lhe parece ser o seu bem, como se a verdade fosse algo a se escolher e não a se descobrir. Nessa ótica, tudo é relativo ao local, à época ou a outras circunstâncias. É o engano do historicismo. Para seus adeptos, como Marcuse, “a pessoa se torna a medida de todas as coisas” ou então “o super-homem” de Nietzsche, que se afirma eliminando Deus.
Evidentemente, a Igreja rejeita o relativismo, porque há verdades que são permanentes. As verdades da fé e da moral cristã são perenes, porque foram dadas por Deus. Cristo afirmou solenemente: ““Eu sou a Verdade”” (Jo 14,6); “”a verdade vos libertará”” (Jo 8,32); “e disse a Pilatos que veio ao mundo exatamente ‘para dar testemunho da verdade’” ”(Jo 18,37). São Paulo relatou que “”Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”” (1Tm 2,4) e que “ “a Igreja é a coluna e o fundamento da verdade”” (1Tm 3, 15). Portanto, segundo a Bíblia, a verdade que salva não está em qualquer cabeça, mas na Igreja, a quem Cristo prometeu “participar da sua infalibilidade” (CIC 889).
Ora, se negarmos que existe a verdade objetiva e perene, o Cristianismo ficará destruído desde a sua raiz. O Evangelho é o dicionário da verdade. Segundo o relativismo, no campo moral não existe “o bem a fazer e o mal a evitar”, pois o bem e o mal são relativos. Isso destrói completamente a moral católica, a qual moldou o Ocidente e a nossa civilização. Contudo, esse relativismo hoje está penetrando cada vez mais nas universidades, na imprensa e até na Igreja. Ele ignora a lei natural, que é a Lei de Deus colocada na consciência de todo ser humano desde que este dispõe do uso da razão.
Por causa do relativismo moral, os governantes propõem leis contra a Lei Natural que Deus colocou no coração de todos os homens. Dessa forma, a palavra do legislador humano vai superando a do Legislador Divino, a qual é a mesma para todos os homens.
O Papa Bento XVI falou insistentemente do perigo da “”ditadura” do relativismo, que vai oprimindo quem não a aceita. Quem não estiver dentro do “”politicamente correto”” é anulado, desprezado, zombado com cinismo. Sobre essa mesma ditadura, o Sumo Pontífice falou, em 18 de abril de 2005, na homilia da Santa Missa preparatória do Conclave que o elegeu: “”Não vos deixeis sacudir por qualquer vento de doutrina” (Ef 4, 14). “Quantos ventos de doutrina viemos a conhecer nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modalidades de pensamento! O pequeno barco do pensamento de não poucos cristãos foi frequentemente agitado por essas ondas, lançado de um extremo para o outro: do marxismo ao liberalismo ou mesmo libertinismo; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo. Todos os dias nascem novas seitas e se realiza o que diz São Paulo sobre a falsidade dos homens, sobre a astúcia que tende a atrair para o erro (cf. Ef 4, 14). O ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, é, muitas vezes, rotulado como fundamentalismo. Entrementes, o relativismo ou o deixar-se levar para cá e para lá por qualquer vento de doutrina aparece como orientação única à altura dos tempos atuais. Constitui-se assim uma ditadura do relativismo, que nada reconhece de definitivo e deixa como último critério o próprio eu e suas veleidades”.
O relativismo derruba as normas morais válidas para todos os homens, ele é ateu, vê na religião e na moral católicas um obstáculo e um adversário, pois Deus é visto como um escravizador do homem e a moral católica destinada a torná-lo infeliz. É maquiavélico, aceita o princípio de que os fins justificam os meios, e que tudo é válido para se obter alguma meta.
O relativismo atual coloca a ciência como uma deusa que vai resolver todos os problemas do homem, a qual está acima da moral e da religião. Mas se esquece de dizer que o homem nunca foi tão infeliz como hoje; nunca houve tantos suicídios, nunca se usou tanto antidepressivo e tantos remédios para os nervos; nunca se viu tanta decadência moral (aborto, prostituição, pornografia, prática homossexual…), destruição da família e da sociedade.
O relativismo é embalado também pelo ceticismo e pelo utilitarismo, os quais só aceitam o que pode ajudar a viver num bem-estar hedonista, aqui e agora. Há uma verdadeira aversão ao sacrifício e à renúncia.
Infelizmente, esse perigoso relativismo religioso, que tudo destrói, penetrou sorrateiramente também na Igreja, especialmente nos seminários e na teologia. Isso levou o Papa João Paulo II a alertar aos bispos na Encíclica “Veritatis Spendor”, de 1992, sobre o perigo desse relativismo que anula a moral católica. No centro da “crise, o saudoso Pontífice viu uma grave “contestação ao patrimônio moral da Igreja”. Ele diz: “Não se trata de contestações parciais e ocasionais, mas de uma discussão global e sistemática do patrimônio moral. Rejeita-se, assim, a doutrina tradicional sobre a lei natural, sobre a universalidade e a permanente validade dos seus preceitos; consideram-se simplesmente inaceitáveis alguns ensinamentos morais da Igreja… (n. 4). E chama a atenção para o fato grave de que “a discordância entre a resposta tradicional da Igreja e algumas posições teológicas está acontecendo mesmo nos seminários e nas faculdades eclesiásticas” (idem).
No centro da “crise moral”, enfatizada por João Paulo II, ele revela qual é a sua causa: “O homem quer ocupar o lugar de Deus”. “A Revelação ensina que não pertence ao homem o poder de decidir o bem e o mal, mas somente a Deus ”(cf. Gen 2,16-17). Não é lícito que cada cristão queira fazer a fé e a moral segundo “o “seu” próprio juízo” do bem e do mal.
É por causa desse relativismo moral que encontramos vez ou outra religiosos e sacerdotes que aceitam o divórcio, o aborto, a pílula do dia seguinte, o casamento de homossexuais, a ordenação de mulheres, a eutanásia, a inseminação artificial, a manipulação de embriões, o feminismo e outros erros que o Magistério da Igreja condena explicita e veementemente.
Esse mesmo relativismo é a razão que move os contestadores do Papa, do Vaticano, dos bispos e da hierarquia da Igreja, como se estes tivessem usurpado o poder sagrado e não o recebido do próprio Cristo pelo Sacramento da Ordem. Esse relativismo fez surgir na Igreja a teologia liberal” de Rudolf Bultman, que por sua vez alimentou uma teologia da libertação marxista,“ feminista, e que agora defende até uma teologia gay.
É preciso repetir o que disse Santa Teresa de Ávila, no meio do tumulto da Reforma luterana (1515-1591): “Em tudo me sujeito ao que professa a Santa Igreja Católica Romana, em cuja fé vivo, afirmo viver e prometo viver e morrer”.
Consulta em 19.11.2018