A existência de Deus
Padre Giuseppe Tanzella-Nitti sj
Professor titular de Teologia Fundamental, Universidade Pontifícia da Santa Cruz, Roma.
Editor Chefe da Enciclopédia Interdisciplinar de Religião e Ciência ISSN: 2037-2329
https://opusdei.org/pt-br/article/tema-1-a-existencia-de-deus/
Deus existe? É a grande pergunta que cada pessoa se faz. Porque se Deus existe, tudo muda: a vida, o amor, a amizade, a dor… Este é o primeiro texto de leitura e trata desta pergunta fundamental.
1. A dimensão religiosa do ser humano
A dimensão religiosa caracteriza o ser humano desde suas origens. Purificadas da superstição, devidas, em última análise, à ignorância e ao pecado, as expressões da religiosidade humana manifestam a convicção de que existe um Deus criador, do qual dependem o mundo e nossa existência pessoal. Se é verdade que o politeísmo tem acompanhado muitas fases da história humana, também é verdade que a dimensão mais profunda da religiosidade humana e da sabedoria filosófica tem procurado a justificação radical do mundo e da vida humana em um único Deus, fundamento da realidade e cumprimento de nossa aspiração à felicidade (cf. Catecismo, 28)[1].
Apesar de sua diversidade, as expressões artísticas, filosóficas, literárias etc., presentes nas culturas dos povos, possuem em comum a reflexão sobre Deus e sobre os temas centrais da existência humana: a vida e a morte, o bem e o mal, o destino último e o sentido de todas as coisas [2]. Como estas manifestações do espírito humano testemunham ao longo da história, pode-se dizer que a referência a Deus pertence à cultura humana e constitui uma dimensão essencial da sociedade e dos homens. A liberdade religiosa representa, portanto, o primeiro dos direitos, e a busca de Deus, o primeiro dos deveres: todos os homens, “pela sua própria natureza e por obrigação moral estão obrigados a dar sua adesão à verdade, uma vez conhecida”[3]. A negação de Deus e a tentativa de excluí-lo da cultura e da vida social e civil são fenômenos relativamente recentes, limitados a algumas regiões do mundo ocidental. O fato de que as grandes interrogações religiosas e existenciais tenham permanecido invariáveis no tempo[4] desmente a ideia de que a religião esteja circunscrita a uma fase “infantil” da história humana, destinada a desaparecer com o progresso do conhecimento.
O cristianismo assume tudo o que há de bom na investigação e na adoração de Deus, manifestadas historicamente pela religiosidade humana, descobrindo, entretanto, seu verdadeiro significado, o de um caminho rumo ao único e verdadeiro Deus que Se revelou na história da salvação entregue ao povo de Israel e que veio ao nosso encontro, fazendo-Se homem em Jesus Cristo, Verbo Encarnado [5].
2. Das criaturas materiais até Deus
A inteligência humana pode conhecer a existência de Deus aproximando-se d’Ele por um caminho que tem como ponto de partida o mundo criado e que possui dois itinerários, as criaturas materiais e a pessoa humana. Embora este caminho tenha sido desenvolvido especialmente por autores cristãos, os itinerários que, partindo da natureza e das atividades do espírito humano levam até Deus, têm sido expostos e percorridos por muitos filósofos e pensadores de diversas épocas e culturas.
As vias em direção à existência de Deus também se chamam “provas”, não no sentido que as ciências matemáticas e naturais dão a esse termo, mas como argumentos filosóficos convergentes e convincentes, que o indivíduo compreende com maior ou menor profundidade dependendo de sua formação específica (cf. Catecismo, 31). Que as provas da existência de Deus não podem ser entendidas no mesmo sentido das provas utilizadas pelas ciências experimentais se deduz com clareza do fato de que Deus não é objeto de nosso conhecimento empírico.
Cada via em direção à existência de Deus alcança somente um aspecto concreto ou dimensão da realidade absoluta de Deus, o do específico contexto filosófico no qual a via se desenvolve: “partindo do movimento e da evolução, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se a conhecer a Deus como origem e fim do universo” (Catecismo, 32). A riqueza e a imensidão de Deus são tais que nenhuma dessas vias, por si mesma, pode chegar a uma imagem completa e pessoal de Deus, mas apenas a alguma faceta dela: existência, inteligência, providência etc.
Entre as chamadas vias cosmológicas, umas das mais conhecidas são as célebres “cinco vias” elaboradas por São Tomás de Aquino, que contêm em boa medida as reflexões de filósofos anteriores a ele; para sua compreensão, é necessário ter algumas noções de metafísica [6]. As primeiras duas vias propõem a ideia de que as cadeias causais (passagem da potência ao ato, passagem da causa eficiente ao efeito) que observamos na natureza não podem retroceder ao infinito, mas devem apoiar-se em um primeiro motor e sobre uma primeira causa; a terceira via, partindo da observação da contingência e limitação dos entes naturais, deduz que sua causa deve ser um Ente incondicionado e necessário; a quarta, considerando os graus de perfeição participada que se encontram nas coisas, deduz a existência de uma fonte para todas estas perfeições; a quinta via, observando a ordem e o finalismo presentes no mundo, consequência da especificidade e estabilidade de suas leis, deduz a existência de uma inteligência ordenadora que seja também causa final de tudo.
Estes e outros itinerários análogos foram propostos por diversos autores com diversas linguagens e formas distintas, até os nossos dias. Portanto, mantêm sua atualidade, ainda que para compreendê-los seja necessário um conhecimento das coisas baseado no realismo (em contraposição a formas de pensamento ideológico), e que não reduzam o conhecimento da realidade somente ao plano empírico experimental (evitando o reducionismo ontológico), de modo que o pensamento humano possa, em suma, subir, dos efeitos visíveis às causas invisíveis (afirmação do pensamento metafísico).
O conhecimento de Deus é também acessível ao sentido comum, isto é, ao pensamento filosófico espontâneo, comum a todo ser humano, como resultado da experiência existencial de cada um: a admiração ante a beleza e a ordem da natureza, a gratidão pelo dom gratuito da vida, o fundamento e a razão do bem e do amor. Este tipo de conhecimento também é importante para captar a que sujeito se referem as provas filosóficas da existência de Deus: São Tomás, por exemplo, termina suas cinco vias unindo-as com a afirmação: “e isto é o que todos chamam Deus”.
O testemunho da Sagrada Escritura (cf. Sb 13, 1-9; Rm 1, 18-20; At 17, 22-27) e os ensinamentos do Magistério da Igreja confirmam que o intelecto humano pode chegar ao conhecimento da existência de Deus criador, partindo das criaturas[7] (cf. Catecismo, 36-38). Ao mesmo tempo, quer seja a Escritura, quer seja o Magistério, advertem que o pecado e as más disposições morais podem tornar mais difícil este reconhecimento.
3. O espírito humano é manifestação de Deus
O ser humano reconhece sua singularidade e preeminência sobre o resto da natureza. Ainda que participe de muitos aspectos de sua vida biológica com outras espécies animais, ele se reconhece único em sua fenomenologia: reflete sobre si mesmo, é capaz de progredir cultural e tecnicamente, percebe a moralidade de suas próprias ações, transcende com seu conhecimento e sua vontade, mas, sobretudo, com sua liberdade, o restante do cosmos material [8]. Em conclusão, o ser humano é sujeito de uma vida espiritual que transcende a matéria da qual, entretanto, depende [9]. Desde as origens, a cultura e a religiosidade dos povos têm explicado esta transcendência do ser humano afirmando sua dependência de Deus, de quem a vida humana contém um reflexo. Em sintonia com este sentir comum da razão, a Revelação judaico-cristã ensina que o ser do homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-28).
A pessoa humana está, ela própria, a caminho, rumo a Deus. Existem itinerários que conduzem a Deus partindo da própria experiência existencial: “Com sua abertura à verdade e à beleza, com seu sentido do bem moral, com sua liberdade e a voz de sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, percebe sinais de sua alma espiritual” (Catecismo, 33).
A presença de uma consciência moral que aprova o bem que fazemos e censura o mal que realizamos ou queríamos realizar, leva a reconhecer um Sumo Bem ao qual estamos chamados a nos conformar, do qual nossa consciência é como que um mensageiro. Partindo da experiência da consciência humana e sem conhecer a Revelação bíblica, vários pensadores desenvolveram, desde a antiguidade, uma reflexão sobre a dimensão ética do agir humano, reflexão da qual é capaz todo homem enquanto criado à imagem de Deus.
Junto à própria consciência, o ser humano reconhece sua liberdade pessoal, como condição do próprio atuar moral. Nesse reconhecer-se livre, a pessoa humana vê em si a correspondente responsabilidade das próprias ações e a existência de Alguém ante o qual é responsável; este Alguém deve ser maior que a natureza material, e não inferior, mas superior, aos nossos semelhantes, também chamados a ser responsáveis como nós próprios. A existência da liberdade e da responsabilidade humanas conduz à existência de um Deus fiador do bem e do mal, Criador, legislador e remunerador.
No contexto cultural atual, nega-se frequentemente a verdade da liberdade humana, reduzindo a pessoa a um animal um pouco mais desenvolvido, mas cujo agir estaria regulado fundamentalmente por impulsos necessários; ou identificam a sede da vida espiritual (mente, consciência, alma) com a corporeidade dos órgãos cerebrais e dos processos neurofisiológicos, negando assim a existência da moralidade do homem. A esta visão pode-se responder com argumentos que demonstram, no âmbito da razão e da fenomenologia humana, a auto transcendência da pessoa, o livre arbítrio que atua também nas escolhas condicionadas pela natureza, e a impossibilidade de reduzir a mente ao cérebro.
Também na presença do mal e da injustiça no mundo, muitos veem hoje em dia uma prova da não-existência de Deus, pois se existisse, não o permitiria. Na verdade, esta inquietude e esta interrogação são também “vias” para Deus. A pessoa, com efeito, percebe o mal e a injustiça como privações, como situações dolorosas que não eram para existir, que reclamam um bem e uma justiça à que aspira. Pois se a estrutura mais íntima do nosso ser não aspirasse ao bem, não veríamos no mal um dano e uma privação.
No ser humano existe um desejo natural de verdade, de bem e de felicidade, que são manifestações de nossa aspiração natural de ver a Deus. Se tal pretensão ficasse frustrada, a criatura humana seria convertida em um ser existencialmente contraditório, já que estas aspirações constituem o núcleo mais profundo da vida espiritual e da dignidade da pessoa. Sua presença no mais profundo do coração mostra a existência de um Criador que nos chama a Si através da esperança n’Ele. Se as vias “cosmológicas” não garantem a possibilidade de chegar a Deus enquanto ser pessoal, as vias “antropológicas”, que partem do homem e de seus desejos naturais deixam entrever que o Deus do qual reconhecemos nossa dependência deve ser uma pessoa capaz de amar, um ser pessoal, diante de criaturas pessoais.
A Sagrada Escritura contém ensinamentos explícitos sobre a existência de uma lei moral inscrita por Deus no coração do homem (cf. Eclo 15, 11-20; Sl 19; Rm 2, 12-16). A filosofia de inspiração cristã denominou-a “lei moral natural”, acessível aos homens de todas as épocas e culturas, ainda que seu reconhecimento, como no caso da existência de Deus, pode ficar na obscuridade pelo pecado. O Magistério da Igreja tem enfatizado repetidamente a existência da consciência humana e da liberdade como vias para Deus [10].
4. A negação de Deus: as causas do ateísmo
As diversas argumentações filosóficas empregadas para “provar” a existência de Deus não causam necessariamente a fé em Deus, mas apenas asseguram que a fé é razoável. E isto por vários motivos: a) levam o homem a reconhecer alguns atributos filosóficos da imagem de Deus (bondade, inteligência etc.), entre os quais sua própria existência, mas não indicam nada sobre Quem seja o ser pessoal para o qual se dirige o ato de fé; b) a fé é a resposta livre do homem a Deus que Se revela, não uma dedução filosófica necessária; c) o próprio Deus é causa da fé: Ele é quem Se revela gratuitamente e move com sua graça o coração do homem para que dê sua adesão a Ele; d) deve-se considerar a obscuridade e a incerteza com a qual o pecado fere a razão do homem, obstaculizando tanto o reconhecimento da existência de Deus como a resposta de fé a sua Palavra (cf. Catecismo, 37). Por estes motivos, particularmente o último, sempre é possível a negação de Deus por parte do homem [11].
O ateísmo possui uma manifestação teórica (tentativa de negar positivamente a Deus, por via racional) e uma prática (negar a Deus com o próprio comportamento, vivendo como se não existisse). Uma profissão de ateísmo positivo como consequência de uma análise racional de tipo científico, empírico, é contraditória, porque – como já se disse – Deus não é objeto de saber científico-experimental. Uma negação positiva de Deus a partir da racionalidade filosófica é possível por parte de visões específicas apriorísticas da realidade, de caráter quase sempre ideológico, principalmente o materialismo. A incongruência destas visões pode pôr-se de manifesto com a ajuda da metafísica e da gnosiologia realista.
Uma causa difundida de ateísmo positivo consiste em considerar que a afirmação de Deus supõe uma penalização para o homem: se Deus existisse, então não seríamos livres, nem gozaríamos de plena autonomia na existência terrena. Este enfoque ignora que a dependência da criatura em relação a Deus fundamenta a liberdade e a autonomia da criatura [12]. O contrário, sim, é que é verdadeiro: como ensina a história dos povos e nossa recente época cultural, quando se nega a Deus, termina-se negando também o homem e sua dignidade transcendente.
Outros chegam à negação de Deus considerando que a religião, particularmente o cristianismo, representa um obstáculo ao progresso humano, pois é fruto da ignorância e da superstição. A esta objeção pode-se responder a partir de bases históricas: é possível mostrar a influência positiva da Revelação cristã sobre a concepção da pessoa humana e seus direitos, ou até sobre a origem e o progresso das ciências. Por parte da Igreja Católica, a ignorância foi sempre considerada, e com razão, um obstáculo no caminho da verdadeira fé. Em geral, aqueles que negam a Deus para afirmar o aperfeiçoamento e o avanço do homem, fazem-no para defender uma visão imanente do progresso histórico, que tem como fim a utopia política ou um bem-estar puramente material, que são incapazes de satisfazer plenamente as expectativas do coração humano.
Entre as causas do ateísmo, especialmente do ateísmo prático, deve incluir-se também o mau exemplo dos crentes, “na medida em que, com o descuido da educação religiosa, ou com a exposição inadequada da doutrina, ou inclusive com os defeitos de sua vida religiosa, moral e social, velaram, em vez de revelar o genuíno rosto de Deus e da religião”[13]. De modo positivo, a partir do Concílio Vaticano II, a Igreja sempre apontou o testemunho dos cristãos como o principal fator para realizar uma necessária “nova evangelização”[14].
5. O agnosticismo e a indiferença religiosa
O agnosticismo, difundido especialmente nos ambientes intelectuais, sustenta que a razão humana não pode concluir nada sobre Deus e sua existência. Com frequência seus defensores se propõem um empenho de vida pessoal e social, mas sem qualquer referência a um fim último, procurando assim viver um humanismo sem Deus. A posição agnóstica termina com frequência identificando-se com o ateísmo prático. Quanto ao mais, quem pretendesse orientar os fins parciais do próprio viver cotidiano sem nenhum tipo de compromisso com a tendência natural ao fim último dos próprios atos, na realidade deveria dizer que no fundo já escolheu um fim, de caráter imanente para a própria vida. A posição agnóstica merece, de qualquer modo, respeito, se bem que seus defensores devem ser estimulados a demonstrar a retidão de sua não-negação de Deus, mantendo uma abertura à possibilidade de reconhecer sua existência e revelação na história.
A indiferença religiosa – também chamada “irreligiosidade” – representa hoje a principal manifestação de incredulidade, e como tal, vem recebendo crescente atenção por parte do Magistério da Igreja [15].O tema de Deus não se leva a sério, ou não se leva em consideração, em absoluto, porque é sufocado na prática por uma vida orientada para os bens materiais. A indiferença religiosa coexiste com certa simpatia pelo sagrado, e talvez pelo pseudo-religioso, apreciados de um modo moralmente descuidado, como se fossem bens de consumo. Para manter por um bom tempo uma posição de indiferença religiosa, o ser humano necessita de contínuas distrações e desse modo não precisa deter-se em problemas existenciais mais importantes, separando-se tanto da vida cotidiana como da própria consciência: o sentido da vida e da morte, o valor moral das próprias ações etc. Mas, como na vida de uma pessoa há sempre acontecimentos que “fazem a diferença” (o apaixonar-se, paternidade e maternidade, mortes prematuras, dores e alegrias etc.), a posição de “indiferentismo” religioso não pode ser mantida ao longo de toda a vida, porque sobre Deus não se pode evitar o interrogar-se, ao menos alguma vez na vida. A partir de tais acontecimentos existencialmente significativos, é preciso ajudar o indiferente a abrir-se com seriedade para a busca e afirmação de Deus.
6. O pluralismo religioso: há um único e verdadeiro Deus, que Se revelou em Jesus Cristo
A religiosidade humana – que quando é autêntica, é caminho em direção ao reconhecimento do único Deus – tem-se expressado e se manifesta na história e na cultura dos povos, em formas diversas e às vezes também no culto a diferentes imagens ou ideias da divindade. As religiões da terra que manifestam a busca sincera de Deus e respeitam a dignidade transcendente do homem devem ser respeitadas: a Igreja Católica considera que nelas está presente uma faísca, quase uma participação da Verdade divina[16]. Ao se aproximar das diversas religiões da terra, a razão humana sugere um oportuno discernimento: reconhecer a presença de superstição e de ignorância, de formas de irracionalidade, de práticas que não estão de acordo com a dignidade e a liberdade da pessoa humana.
O diálogo inter-religioso não se opõe à missão e à evangelização. Mais ainda, respeitando a liberdade de cada um, a finalidade do diálogo há de ser sempre o anúncio de Cristo. As sementes de verdade que as religiões não cristãs podem conter, são, de fato, sementes da Única Verdade que é Cristo. Portanto, essas religiões não cristãs têm o direito de receber a revelação e serem conduzidas à maturidade mediante o anúncio de Cristo, caminho, verdade e vida. Entretanto, Deus não nega a salvação àqueles que, ignorando sem culpa o anúncio do Evangelho, vivem segundo a lei moral natural, reconhecendo seu fundamento no único e verdadeiro Deus[17].
No diálogo inter-religioso, o cristianismo pode proceder mostrando que as religiões da terra, enquanto expressões autênticas do vínculo com o verdadeiro e único Deus, alcançam no cristianismo seu cumprimento. Somente em Cristo, Deus revela o homem ao próprio homem, oferece a solução de seus enigmas e lhe descobre o sentido profundo de suas aspirações. Ele é o único mediador entre Deus e os homens[18].
O cristão
pode manter um diálogo inter-religioso com otimismo e esperança, uma vez que
sabe que todo ser humano foi criado à imagem do único e verdadeiro Deus e que
cada um, se sabe refletir no silêncio de seu coração, pode escutar o testemunho
da própria consciência, que também conduz ao único Deus, revelado em Jesus
Cristo. “Para isto nasci e para isto vim ao mundo – afirma Jesus diante de
Pilatos -, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta
a minha voz” (Jo 18,37). Neste sentido, o cristão pode falar de
Deus sem risco de intolerância, porque o Deus que ele exorta a reconhecer na
natureza e na consciência de cada um, aquele Deus que criou o céu e a terra, é
o mesmo da história da salvação, que foi revelada ao povo de Israel e Se fez
homem em Cristo. Este foi o itinerário seguido pelos primeiros cristãos:
repeliram a ideia de se adorar a Cristo como um a mais entre os deuses do
Panteão romano, porque estavam convencidos da existência de um único e
verdadeiro Deus; e se empenharam ao mesmo tempo em mostrar que o Deus
vislumbrado pelos filósofos como causa, razão e fundamento do mundo, era e é o
mesmo Deus de Jesus Cristo [19].
Notas
[1] Cf. João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 14-09-1998, 1.
[2] “Para além de todas as diferenças que caracterizam os indivíduos e os povos, há uma dimensão fundamental comum, já que as várias culturas não são, na realidade, mais que modos diversos de abordar a questão do significado da existência pessoal. Precisamente aqui podemos identificar uma fonte do respeito que é devido a cada cultura e a cada nação: toda cultura é um esforço de reflexão sobre o mistério do mundo, e em particular do homem: é um modo de expressar a dimensão transcendente da vida humana. O coração de cada cultura é constituído pela proximidade do maior dos mistérios: o mistério de Deus”, João Paulo II, Discurso na O.N.U., New York, 5-10-1995, «Magistério», XVIII,2 (1995) 730-744, n. 9.
[3] Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, 2.
[4] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 10.
[5] Cf. João Paulo II, Carta Ap. Tertio millennio adveniente, 10-11-1994, 6; Enc. Fides et ratio, 2.
[6] Cf. S. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 2, a. 3; Contra gentiles, I, c. 13. Para uma exposição detalhada remete-se o leitor a estas duas referências de São Tomás e a algum manual de Metafísica ou Teologia Natural.
[7] Cf. Concílio Vaticano I, Const. Dei Filius, 24-IV-1870, DH 3004; Motu Proprio Sacrorum Antistitum, 1-09-1910, DH 3538; Congregação para a Doutrina da Fe, Inst. Donum veritatis, 24-5-1990, 10; Enc. Fides et ratio, 67.
[8] “Com agradecimento, porque percebemos a felicidade a que estamos chamados, aprendemos que todas as criaturas foram tiradas do nada por Deus e para Deus: as racionais, os homens, ainda que com tanta frequência percamos a razão; e as irracionais, as que perambulam pela superfície da terra, ou habitam nas entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas até olhar fixamente para o sol. Porém, em meio a esta maravilhosa variedade, somente nós, os homens – não me refiro aos anjos – nos unimos ao Criador pelo exercício de nossa liberdade: podemos render ou negar ao Senhor a glória que lhe corresponde como Autor de tudo o que existe”, São Josemaria, Amigos de Deus, 24.
[9] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 18.
[10] Cf. Ibidem, 17-18. Em particular, a doutrina sobre a consciência moral e a responsabilidade ligada à liberdade humana no quadro da explicação da pessoa humana como imagem de Deus, foi extensamente elaborada por João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 54-64.
[11] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 19-21.
[12] Cf. Ibidem, 36.
[13] Ibidem, 19.
[14] Cf. Ibidem, 21; Paulo VI, Enc. Evangelii nuntiandi, 8-12-1975, 21; João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 93; João Paulo II, Carta Ap. Novo millennio ineunte, 6-01-2001, cap. III e IV.
[15] Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Christifideles laici, 30-12-1988, 34; Enc. Fides et ratio, 5.
[16] Cf. Concílio Vaticano II, Decl. Nostra Aetate, 2.
[17] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Lumen gentium, 16.
[18] Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 7-12-1990, 5; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, 6-08-2000, 5;13-15.
[19] Cf. João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 34; Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-11-2007, 5.