IMUNIDADES PARLAMENTARES E FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
Não raras vezes ouvimos em discussões políticas, principalmente nas redes sociais, alguém questionar por qual razão um político vai preso e outro não, sugerindo um viés de seletividade partidária na aplicação da justiça. Mesmo admitindo tal hipótese, existem fatores que certamente obstam, de forma mais determinante, a sensata aplicação da justiça: as imunidades parlamentares e o foro por prerrogativa de função.
Previstas no art. 53 da Constituição Federal de 1988, as imunidades são garantias que, em tese, visam assegurar o pleno exercício do mandato eletivo do parlamentar, o protegendo de ações indevidas e abusivas por parte do executivo e principalmente o judiciário.
Abundantes críticas recaem, todavia, sobre algumas das imunidades parlamentares, as quais sustentam serem elas incompatíveis com o modelo republicano e, muito mais do que garantir o pleno exercício de suas funções, agem como verdadeiros instrumentos da impunidade, fomentando a corrupção e aumentando a descrença popular na política e na democracia. A almejada isonomia penal, portanto, seria um mito, pois os legisladores criam ressalvas e privilégios que os diferenciam do restante do povo, no que tange à suscetibilidade da persecução penal.
Sem delongas, as imunidades parlamentares se dividem em materiais e formais. As materiais estão previstas no caput do art. 53 da Constituição Federal e asseguram aos deputados federais e senadores a inviolabilidade, civil e penal, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Os deputados estaduais (art. 27, § 1º da Constituição Federal) e os vereadores, na estrita circunscrição de seu município, (art. 29, VIII da Constituição Federal), também estão protegidos. São as materiais as que, sem dúvida, mais alcançam a esperada justificação de garantir o livre exercício do mandato. Cumpre salientar que as imunidades somente são absolutas aos deputados federais, estaduais e senadores, dentro da respectiva casa legislativa. Fora dela, poderá ocorrer em todo o território nacional, desde que exista o nexo de causalidade entre a manifestação e o exercício do mandato, na condição de parlamentar. Para os vereadores, deverá sua manifestação ocorrer no exercício do mandato, se restringindo aos limites do município.
Enquanto a imunidade material diz respeito às opiniões e votos, as formais se relacionam à privação do direito de ir e vir. Não atingem os vereadores, que somente gozam da imunidade material. Reza o art. 53 da Constituição Federal, em seu § 2º que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”. Em outras palavras, a não ser que seja pego “com a boca na botija”, naqueles crimes mais graves, como os hediondos e equiparados, não poderá o agente político ser preso em hipótese nenhuma e, ainda que preso em flagrante por crime inafiançável, poderá se livrar solto, caso a maioria dos membros de sua respectiva Casa assim o decidam.
Há ainda a imunidade formal trazida pelo § 3º do art. 53 do texto constitucional, pela qual “recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”. Resumindo, o Supremo Tribunal Federal tem que pedir “permissão” ao legislativo para que o processo criminal contra o parlamentar prossiga. Caso a Casa Legislativa decida por sustar o processo, a ação será retomada ao fim do mandato eletivo, ficando a prescrição também suspensa.
Em ambas as regras de imunidade formal, fica nítido o desrespeito ao princípio da
Separação dos Poderes, ficando a análise dos crimes cometidos pelos políticos a cargo dos próprios políticos, e não do judiciário, como deveria ser. O resultado? Corrupção e impunidade.
Por último, trata o art. 53, no parágrafo 1º, do foro por prerrogativa de função, popularmente, e com razão, conhecido como “foro privilegiado”: “os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Há aqui a ocorrência de mais um vergonhoso privilégio que os legisladores constituíram para si, o direito de serem julgados pela mais alta corte (Supremo Tribunal Federal). É salutar o apontamento de que a escolha dos ministros do STF, ainda que sejam notórios conhecedores do Direito, é manifestamente política, colocando em dúvida a imparcialidade de suas decisões.
Apontadas as imunidades parlamentares e o foro por prerrogativa de função, trazidos pela Constituição Federal, que claramente alimentam a corrupção, endemicamente enraizada em nossas estruturas políticas, cabe a nós, detentores do direito de sufrágio, participarmos ativamente da vida política de nosso país, se não se candidatando a um cargo público, cobrando uma conduta ética e moralmente cristã daqueles que nos governam. Só aí será possível a alteração da norma constitucional em benefício de um Direito Penal verdadeiramente igualitário.
Autor: Matheus Pereira Guimarães – Ministério Matias – Comunidade Javé Nissi