Leitura da Bíblia
por Leonardo Boff – teólogo, escritor e professor universitário brasileiro, expoente da Teologia da Libertação no Brasil
Fundamentalmente existem duas maneiras de ler e interpretar os textos da Sagrada Escritura. A primeira consiste em tomar as passagens em seu teor exegético-crítico; a segunda em seu conteúdo teológico- espiritual.
A leitura exegética-crítica privilegia o sentido literal das palavras empregadas pelos autores sagrados. Os termos são compreendidos dentro do sentido que possuíam na cultura por ocasião da elaboração dos respectivos livros.
Este método, exegético-crítico, produziu bens frutos, revelando-nos a face humana da Palavra de Deus. Entretanto representa uma abordagem profana, secular. O mesmo método é aplicado a qualquer outro texto antigo ou moderno, seja de historiadores ou filósofos gregos ou não, literatos clássicos ou contemporâneos. Onde está o caráter religioso e teológico deste método? Abordam-se os textos sagrados simplesmente como textos e não como sagrados. Neste tipo de leitura não aflora a face divina de Palavra de Deus. Até um homem sem fé poderia proceder a semelhante interpretação das Escrituras.
A leitura teológico-espiritual dos textos bíblicos pressupõe a fé segundo a qual sabemos que as Escrituras são sagradas porque contém a revelação de Deus, comunicando-nos seu desígnio último acerca do homem, da história e do mundo. As palavras estão a serviço do conteúdo que é mais do que aquele fixado pela cultura ambiente. Além de seu sentido literal (que importa sempre captar), existe um sentido teológico. Assim a palavra possui uma densidade de sentido maior do que aquela que alguém coloca quando fala com outro. O sentido literal e comum conquista ressonâncias inimagináveis que devem poder ser ouvidas pelo fiel.
A leitura exegético-crítico é enriquecida com a interpretação teológico-espiritual. Não se trata, portanto, de colocar uma falsa alternativa: ou uma ou a outra. Importa articular uma com a outra. O sentido literal abre a porta para um sentido teológico que traduz a novidade da irrupção de Deus em nossa história.