O batismo no Espírito Santo, experiência concreta da ‘graça de Pentecostes’

O batismo no Espírito Santo, experiência concreta da ‘graça de Pentecostes’

O batismo no Espírito Santo, experiência concreta da ‘graça de Pentecostes’ na vida do indivíduo e da comunidade de fé – perspectivas da subjetividade e da experiência social do Espírito

Francisco Catão

Introdução: delimitação do tema

O enunciado do tema parte de um dado importante: o batismo no Espírito Santo é uma experiência. Não constitui, portanto, um sacramento ou sacramental, embora tenha o nome de batismo, nem é, a bem dizer, um carisma, no sentido técnico do termo, que não deve ser nem confundido nem anteposto ao dom da santificação, da graça e do amor, que é o dom “superior e o caminho mais excelente” (cf. 1Co 12,31) do  Espírito Santo. O batismo no Espírito, como diz o próprio enunciado do tema, é a vinda do Espírito, que é Deus acolhido na experiência concreta da ‘graça de Pentecostes’.

Não está, pois em discussão, a natureza do que se entende por “batismo no Espírito Santo”, mas o sentido dessa experiência, qualificada como ‘graça de Pentecostes’,e além disso, por via de conseqüência, a participação do sujeito, pessoa e comunidade, no Espírito que os anima – perspectivas da subjetividade e da experiência social.

São, portanto três, os pontos a serem desenvolvidos, para responder ao tema:

(1) Que entendemos por experiência?

(2) Que é a graça de Pentecostes?

(3) Como entender a participação do sujeito, pessoa e comunidade, na graça de a experiência de Deus no Espírito?

1. Que entendemos por experiência?

Antes de ser teológico, o conceito de experiência é antropológico. É um problema de fronteira (Vaz): designa a vivência da pessoa em situações de relação com coisas ou outras pessoas, situações geradoras de uma percepção incomunicável em si mesma, mas que se traduz, para a própria pessoa, em imagens evocatórias da realidade profunda dessa mesma percepção.

A experiência concreta da graça de Pentecostes é a experiência interpessoal do acolhimento do Espírito do Pai e do Filho que é comunicado aos seguidores de Jesus, reunidos em comunidade, em Igreja, dando o último cumprimento, no tempo, à promessa de salvação realizada por Jesus. Ou seja, como a definiu o Cardeal Congar, na nota introdutória aos três volumes de seu Eu creio no Espírito Santo (São Paulo: Paulinas, 2005): a percepção da realidade de Deus vindo até nós, ativo em nós e por nós, atraindo-nos a si numa comunhão, numa amizade, isto é num ser-um-para-o-outro.

Observem-se nesta definição os dois momentos, inseparáveis, mas distintos: A vinda de Deus e o acolhimento de Deus. Vinda na expressão máxima, a encarnação, em que o Filho vem a nós, enviado pelo Pai, por força do Espírito Santo, como o descreveu são Lucas na cena a anunciação. Acolhimento também na sua expressão suprema, sintetizada no sim de Maria (cf. Lc 1,26-38), que não se acompanha de nenhum carisma perceptível, mas é a expressão maior do carisma mais excelente, a santidade de Maria, no topo da santidade de toda a humanidade: Mãe de Deus e Mãe da Igreja.

Toda experiência cristã de Deus é a realidade da vinda de Deus a nós vivenciada no sim que brota do mais íntimo de nosso coração, graças ao qual o Espírito se derrama em nós comunicando-nos a sua vida, encarnada na totalidade de nossa vida, desde o que há de mais pessoal, decisivo e profundo em nós, até os mínimos detalhes de nosso cotidiano. Essa vinda de Deus, experimentada no sim, inaugura a vida nova no Espírito e pode ser considerada como verdadeiro batismo no Espírito.

Toda reflexão sobre o batismo no Espírito tem, portanto, como princípio, a reflexão sobre a natureza e o alcance da vinda de Deus, cujo paradigma é a Encarnação, antes de ser abordada por si mesma, na sua configuração teológica e nas suas conseqüências.

2. A vindade Deus

A relação com Deus está inscrita, sob forma de desejo, no mais íntimo do coração humano (Catecismo, nº 27). Como criaturas, dependemos inteiramente de Deus, no ser. Como seres racionais, capazes de conhecer e de amar a Deus, dele dependemos também no agir propriamente humano. E isso, não apenas porque somos feitos para ele, mas também porque somos chamados a nos realizarmos participando de sua vida.

O Pai, na origem da vinda de Deus

Sabemos que Deus, mas sabemos quem é. Desde que acolhemos sua Palavra, Jesus, confessamos que é a comunhão do Pai com o Filho numa unidade perfeita de natureza e de Amor, num mesmo Espírito. É esse o Espírito que nos é comunicado e que constitui a substância do que denominamos vinda de Deus.

Essa vinda de Deus está inscrita no mais profundo de Deus, do Pai, como o chama Jesus, que é Bondade e, como tal, tende a se comunicar. Mas se realiza na história através de sua Palavra e de seu Espírito, Palavra de Luz e de Força, que nos chama à comunhão com Deus pelo dom do seu Espírito, que é Amor.

Através de toda a Escritura, expressão maior da Palavra de Deus, fonte de comunhão com Deus, na oração e na vida fraterna, nos é comunicada a vida de Deus, o Verbo e o Espírito de Deus, que vivem indissociavelmente na unidade e na comunhão desde toda a eternidade. Pela criação e por obra de Deus, em Jesus, a vida mesma de Deus, do Pai, com o Filho, no Espírito Santo, nos é comunicada, de forma vivencialmente humana, realizando-nos plenamente como pessoas e comunidade humanas.

O reconhecimento da unidade da missão do Verbo e do Espírito (Catecismo, nos 689-690) retoma nos dias de hoje a concepção da vinda de Deus que prevalecia na antiguidade cristã, em continuidade com o Novo Testamento e nos ajuda a superar certas expressões do cristianismo em que a acentuação do papel do Verbo minimizou a ação do Espírito ou, pelo contrário, em que o apelo imediato ao Espírito ameaçou de várias formas, a autenticidade da espiritualidade cristã.

Deus vem a nós antes de tudo por sua Palavra.

A lição nos é dada em três textos maiores do Novo Testamento (os prólogos do Quarto Evangelho, da Carta aos Hebreus e da Primeira Carta de João. A Palavra, que está no princípio (arché) de todas as coisas, vem ao mundo, para nos levar para Deus, por caminhos insuspeitados, como se pode ler na tipologia de Isaias (Is 55,6-11).

A vinda de Deus em nossos corações, a comunicação do Espírito de Deus, é entendida por toda a tradição cristã, como feita através da Palavra de Deus, de Jesus. É a Palavra que nos comunica o Espírito.

Assim como a Palavra de Deus está expressa na Escritura, é na Escritura que somos chamados em primeiro lugar a ir ao encontro do Espírito. Foi o que toda a antiguidade praticou sob o nome de lectio divina e que hoje se procura restaurar na Igreja a partir do Concílio Vaticano II e, nesses dias, é objeto da XIIª Assembléia ordinária do Sínodo dos Bispos.

A vinda de Deus a nós, que se consuma em Pentecostes, pela comunicação de o dom do Espírito, o outro Paráclito que Jesus prometeu enviar, tem necessariamente em sua raiz, a Palavra de Deus encarnada. A Primeira Carta de João nos ensina que os dois critérios indispensáveis ao reconhecimento do Espírito, são a confissão de Jesus, Palavra de Deus vindo na carne, e o amor recíproco, que é o fruto primeiro da comunicação do Espírito, pois Deus é Amor.

Deus se comunica conosco pelo dom do Espírito

Procedente do Pai que gera o Filho desde toda a eternidade e está unido inseparavelmente ao Filho no que é – Deus Altíssimo – o Espírito, que arremata e coroa a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, como o confessam as doxologias neotestamentárias, arremata também e coroa a vinda de Deus.

Para entendermos Pentecostes, portanto, não o podemos isolar do conjunto da obra de Deus. Seria isolar o Espírito do Pai e do Filho, e, assim, ameaçar a centralidade da Trindade. Do ponto de vista teológico o grande desafio de todo pentecostalismo é de centralizar no Espírito e nos carismas a experiência da vinda de Deus a nós, sobrepondo-a de certo modo ao primado do Pai e sem atentar para a unidade existencial e operacional do Verbo e do Espírito – da “missão conjunta” de que fala o Catecismo  (nos 689-690). Não há Espírito senão da Palavra, e não há Palavra de Deus senão no Espírito (cf. 1Co 12,3).

As manifestações do Espírito

Deus vem a nós manifestando-se, comunicando-nos seu ser, pela criação, e sua vida, pelo chamado a ouvirmos a sua Palavra em Jesus, de que fala toda a Escritura, e a participarmos de sua vida. Assim como a criação se trona perceptível, na natureza e na história, também o chamado à vida se inscreve na história. A Palavra de Deus se fez carne e habitou entre nós.

O Verbo, na unidade do Espírito em Deus, desde toda a eternidade, tem a plenitude do Espírito como homem, na história, em Jesus. A humanidade de Jesus é santa, porque, sem deixar de ser criatura humana, participa plenamente da vida de Deus no Espírito. Jesus vive, no íntimo de seu ser humano, a experiência do Espírito e seu agir humano é manifestação do Espírito, através de suas ações maravilhosas, parâmetro de todos os carismas, que serão dados à comunidade cristã depois de Pentecostes.

Em Jesus, o Espírito é antes de tudo, fonte de santidade, que brota do seio de Jesus (cf. Jo 7,37-39). Jesus é portador da santidade de Deus. Ao nos comunicar seu Espírito, Jesus nos comunica a participação na sua santidade, na vida mesma de Deus, realizando assim de maneira plena e perfeita, a vocação a que somos todos chamados.

O papel central do Espírito na vinda de Deus é a santificação, a divinização, a união com o Pai, por Jesus Cristo, cujo papel específico, no seio da mesma missão, é a salvação, obtida por meio do gesto supremo de amor, no Espírito, que nos reconcilia com Deus e nos torna aptos a sermos de fato filhos de Deus no Espírito, que nos faz chamar a Deus de Pai (cf. Ro, 8,14-17; Gl 4,4-7).

Na carta aos Gálatas, aliás, Paulo assinala as principais características da manifestação do Espírito naqueles que, animados pelo Espírito e pela fidelidade à Palavra, vivem do Espírito de Jesus, experimentando-o no fundo do coração e vivendo, na prática de cada dia, segundo o mesmo Espírito, que se irradia no que o Apóstolo denomina os frutos do Espírito (Gl 5,22-25).

3. A experiência de Deus no Espírito

Do ponto de vista antropológico, como vimos, toda experiência vivida pelo ser humano, inclusive o que denominamos a experiência no Espírito é a percepção da realidade de Deus vindo até nós, ativo em nós e por nós, atraindo-nos a si numa comunhão, numa amizade, isto é num ser-um-para-o-outro. Sendo experiência no Espírito, batismo no Espírito, essa experiência tem sua origem no Pai, como princípio, seu perfil no Verbo, espelhado em Jesus, e seu coroamento no Espírito, que nos faz participantes da vida de Deus, que é Amor.

A experiência no Espírito ou o batismo no Espírito

Em continuidade com as expressões neotestamentárias, ao acolhermos a Palavra de Deus, Jesus, acolhemos o Pai – “quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9) – e o acolhemos no Espírito, que vem ratificar a obra do Pai e do Filho (cf. Jo 16,5-15). Quem acolhe Jesus, é convidado a “receber o batismo em nome de Jesus, para a remissão dos pecados e assim, receber o dom do Espírito Santo (At 2,38-39).

A experiência pessoal e a comunidade

É importante ter presente o caráter interpessoal dessa experiência. O que a caracteriza é o acolhimento pessoal de Deus, que se manifestou em Jesus, por força do Espírito. Ela dá origem a uma comunhão vivida com Deus e com o próximo, a uma amizade extensiva a todos os humanos, tratando-os todos como nossos próximos. O dom do Espírito Santo, de que fala Pedro nos Atos, é indissociavelmente pessoal e comunitário. Justamente, por ser pessoal, é constitutivo da comunidade dos fiéis, que acolhem Deus em Jesus e passam a tratar como próximos todos os humanos.

A comunhão de vida e de amizade que brota da Trindade e é vivida na experiência do Espírito, graças ao acolhimento de Jesus, é a Igreja, já agora, em Pentecostes, na plenitude de seu ser e de seu sentido, como diz a famosa palavra de São Cipriano, acolhida pela Constituição sobre a Natureza da Igreja, do Vaticano II, “a Igreja é o povo unido pela unidade mesma do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (LG, 4).

 Do ponto de vista antropológico essa realidade de ordem teológica se apóia no fato de que a pessoa nunca está sozinha. Quem diz pessoa, diz vida de relação. A consciência pessoal, que corresponde à estrutura profunda de nosso ser, só se desenvolve no inter-relacionamento de uns com os outros. Pessoa e comunidade, longe de se excluir, se apelam, pois só se é pessoa na relação com o outro, que forma a comunidade, assim como só há comunidade quando há comunhão de pessoas num relacionamento recíproco.

Voltada para a transcendência, a pessoa está, ao mesmo tempo, situada no tempo e no espaço, recebe de outros a vida, que é chamada a comunicar a outros. A sociedade, do ponto de vista de Deus, é o lugar específico desta comunhão de vida, em que, formada pelas pessoas que a animam, constitui, ao mesmo tempo, o meio em que se desenvolve a vida. Na bela expressão do Catecismo a fé “é um ato pessoal […] mas não é um ato isolado. Ninguém pode crer sozinho, como ninguém pode viver sozinho. Ninguém deu a fé a si mesmo, como ninguém deu a vida a si mesmo. O crente recebeu a fé de outros, deve transmiti-la a outros […] Cada crente é assim como um elo da grande corrente de crentes. Não posso crer sem ser carregado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo para carregar a fé dos outros” (ib. nº 166).

O conceito vale tanto do ponto de vista da vida humana como da participação na vida de Deus, tanto das sociedades humanas como da Igreja, tão humana quanto o próprio Jesus, que é seu corpo e por conseguinte, povo de Deus e templo do Espírito Santo. Dessa forma, ao conceber a iniciação cristã como um batismo, um mergulhar na água ou no fogo como expressão da conversão, saindo espiritualmente purificado pela ação santificadora do Espírito, deve-se ter presente que toda iniciação cristã é uma iniciação na comunidade, na Igreja. Não há batismo que seja puramente individual, voltado para si mesmo, mas todo batismo é ao mesmo tempo pessoal e comunitário, integrando a pessoa na comunidade dos batizados.

A configuração do batismo

A percepção da vinda de Deus a nós é a experiência básica de iniciação na comunidade. Sua marca, do ponto de vista da Igreja como comunidade humana, é o batismo de água, que é o sinal visível ou o sacramento da comunhão no Espírito, significada na Igreja, “sacramento, por sua vez, da união com Deus e da unidade de toda a humanidade”, na expressão da Lumen Gentium.

Mas como em todo sacramento, entre o sinal visível da água (sacramentum) e a realidade puramente interior da graça (res), há lugar para uma realidade intermediária, por isso denominada “realidade sinalizada pelo sinal visível e que integra a comunidade cristã, sendo por isso, ao mesmo tempo, sinal da graça, invisível” (res et sacramentum).

No batismo a teologia corrente denomina caráter essa realidade visível e sinal da graça invisível, e a concebe sob a forma de uma inscrição indelével no rol da Igreja, do ponto de vista de Deus.

Analogicamente podemos dizer que a experiência interior do Espírito é realidade perceptível, que acompanha o do mergulho visível na água (batismo), e que, ao mesmo tempo, é condição subjetiva da conversão interior (no Espírito), que é da ordem da graça invisível. Dessa forma, se fosse necessário classificar teologicamente o batdsismo no Espírito Santo, diríamos que é da natureza do que denominamos res et sacramentum:um dado interior da realidade da vinda de Deus a nós, que acompanha a efetiva união com Deus no Espírito, a graça, mas que ainda não é propriamente a graça, senão, uma de suas condições, expressões ou resultantes. Ao que sabemos isso já foi cogitado numa reunião de teólogos com Cardeal Suenens em Malines, em 1974.

A comunidade cristã se distingue historicamente pelo batismo de água. A imersão é o sinal exterior da graça, seu sacramentum, mas a imersão comporta ainda pelo menos dois elementos. Primeiro, a condição em que ele nos situa independentemente de nosso acolhimento pessoal, o caráter, marcando-nos interiormente como cristãos, a ponto que o batismo não pode ser repetido, como nenhum dos dois outros sacramentos que também imprimem caráter, a confirmação e a ordem.

Mas, além disso, o batismo traz consigo, quando plenamente vivenciado, uma expressão e como que resultante da graça conferida, que é dom do Espírito, e que é, precisamente a vivência da vida de Deus em nós recebida no Espírito, ou seja, a experiência do Espírito. Em todo batismo a imersão é chamada a ser o sinal exterior não apenas da graça, res,mas, igualmente de nossa inserção na comunidade eclesial, o caráter, e de nossa vivência interior no Espírito, uma experiência que se deve designar, batismo no Espírito Santo. Em termos ideais não se deveria quebrar a unidade do batismo de água, que nos introduz não somente na comunidade visível da Igreja, pelo caráter, como nos confere a possibilidade de fazer a experiência do Espírito, na medida em que o acolhemos pessoalmente, como a vida de Deus a nós. A dissociação no tempo desses quatro elementos do batismo só se explica pelo fato de que comumente o batismo é ministrado a crianças, que não têm a possibilidade de fazer um ato pessoal de acolhimento de Deus, ou ainda, em virtude da condição concreta em que nos encontramos, em que nem sempre, esse acolhimento se realiza ao longo da vida.

A graça, res,é invisível, ninguém pode ter a certeza de estar em estado de graça, como ensina o Concílio de Trento ao longo do Decreto sobre a justificação (Denziger-Hünermann, 1520-1583), mas se manifesta à nossa percepção na abertura de nosso coração à vinda de Deus, pela conversão transformadora de toda a vida, a que denominamos batismo no Espírito, em que dizemos efetivamente um sim total e absoluto a Deus e passamos a viver inteiramente para Deus, no seguimento de sua Palavra encarnada, Jesus.

A unidade no Espírito

Essa extensão a toda a vida do batismo no Espírito decorre do caráter interpessoal da experiência no Espírito. A experiência concreta da graça de Pentecostes é uma experiência humana real, fruto da liberdade, que nasce e se desenvolve num contexto comunitário, em que as pessoas vão progressivamente se encontrando e realizando cada dia mais perfeitamente a vocação a que são chamadas, a comunhão com Deus e entre si. O amor do próximo é o testemunho visível da docilidade do coração ao Espírito de Jesus.

O Espírito, tal como se revelou através da história e, em particular, na plenitude dos tempos, em Jesus, anima a vida dos indivíduos e os congrega em comunhão, sendo o princípio da unidade da comunhão eclesial.

Um dos principais critérios que permitem auferir a autenticidade da experiência batismal no Espírito é a comunhão cada vez mais estreita e total entre todos aqueles que se sentem animados pela ação pentecostal do Espírito. Pode-se mesmo chegar a dizer que a unidade é a característica maior da graça de Pentecostes, por ser nela e por ela que se reúnem em comunhão aqueles a que o Espírito anima.

Sob esse ângulo somos levados a reconhecer que o fruto do Espírito é a unidade na caridade de todos os que somos enriquecidos pelo Espírito, na diversidade irredutível dos que somos chamados a participar do Reino.

Conclusão

É de suma importância entender o batismo no Espírito, como percepção da vinda de Deus a nós, na raiz, antes de tudo, da vida santa de seguimento de Jesus que se traduz pelo amor efetivo entre nós, a alegria, a paz, a grandeza de alma, a misericórdia, a bondade, a fidelidade, a mansidão e uma vida alimentada na comunidade e guiada pelos objetivos que comandam nossa vocação de filhos de Deus. São os frutos do Espírito, tais como os enumera são Paulo (Gl 5, 22-25)

Sob esse aspecto o batismo no Espírito Santo, estritamente pessoal, está em continuidade com a fé em Jesus professada efetivamente pela pessoa, mas aberta ao dom integral de si mesmo a Deus e ao próximo. Como todo batismo, o batismo no Espírito, é princípio de inserção numa comunidade, a comunidade daqueles que se sabem envolvidos pelo mistério da vinda de Deus e buscam perpetuar na história a graça de Pentecostes.

Indicações bibliográficas suplementares:

À bibliografia geral do Congresso, acrescentamos alguma indicações mais específicas

Catechismus Catholicae Ecclesiae (Catecismo da Igreja Católica). Romae: Libreria editrice Vaticana, 1997.

Congar, Yves, Nota sobre “experiência” em Revelação e experiência do Espírito. São Paulo: Paulinas, 2005 (Col: Creio no Espírito Santo, vol. 1), pp. 13-14

Mouroux, Jean. L’Expérience Chrétienne. Introduction a une théologie, Paris: Aubier, 1954

Reis, Ronaldo Beserra dos, Reflexões sobre o batismo no Espírito Santo, no  2º Congresso Teológico Pastoral da RCC-BR. Aparecida (SP), 2006


Nota explicativa sobre a caracterização do batismo no Espírito Santo

O desenvolvimento da teologia dos sacramentos, especialmente na tradição latina, levou a distinguir nos sacramentos o aspecto visível cultual, sinal do dom espiritual de que é expressão (sacramentum) e a realidade mesma (res) da comunhão com Deus, a partir da capacidade que nos é gratuitamente dada de participar da vida do Pai com o Filho, no Espírito Santo, a que a teologia denomina graça, no sentido próprio.

            Essa dualidade básica dos sacramentos, elemento visível e realidade da vida divina de que somos chamados a participar, apóia-se, antropologicamente, na estrutura mesma do ser humano, visível e concreto, mas aberto à transcendência, que denominamos Deus, capaz de Deus, como o dizemos.

            Observando, porém, melhor, percebe-se que essa dualidade comporta, por assim dizer, a mediação necessária dos sentidos interiores, no vocabulário da tradição aristotélico-tomasiana, pois não nos é dado aceder ao invisível senão através de uma elaboração dos elementos visíveis e palpáveis que nos chegam através dos sentidos. Nada chega à inteligência senão através dos sentidos, reza o axioma fundamental da antropologia, pressuposta, aliás, por toda a tradição bíblica, que fala sempre de Deus através de imagens, numa linguagem icônica ou simbólica.

            A mediação dos sentidos interiores, desde que seja levada a sério, repercute na teologia dos sacramentos, exigindo um elemento intermediário entre o visível e o espiritual propriamente ditos, ou seja, entre o sacramentum e a res. A teologia denomina esse elemento res et sacramentum, significando sua condição intermediária, pois é realidade significada pelo elemento visível, ao mesmo tempo que mantém uma relação sui generis com a realidade da graça.

            Essas considerações, na teologia clássica, são utilizadas para analisar a natureza do caráter, impresso pelos três sacramentos que conferem uma espécie de qualificação a quem os recebe, não necessariamente vinculado à graça, mas ao elemento visível, pois definem a posição de quem os recebe no contexto da comunidade visível como expressão da integração nessa comunidade como membro maduro ou como ministro, através dos sacramentos do batismo, da confirmação e da ordem.

            Tomás de Aquino, por exemplo, com base no fato de que, além da graça, o sacramento “tem como efeito a purificação da alma com relação ao culto prestado a Deus na religião cristã”, como diz (Suma Teológica, III,62,5), identifica, naquele que recebe os três sacramentos mencionados, uma qualificação interior (potestas) conferida à alma, que é ao mesmo tempo uma realidade (res)causada pelo sinal visível,  e expressão (sacramentum) da graça, realidade sobrenatural que está na raiz da participação na vida divina.

            A categoria teológica res et sacramentum, como toda categoria teológica, aliás, é uma categoria analógica, isto, pode ser aplicada a realidades profundamente diferentes uma das outras, desde que mantenham entre si uma certa semelhança ou proporção. Podemos, por exemplo, falar do Corpo de Cristo, referindo-nos à Igreja e à Eucaristia, realidades por certo diferentes, mas que mantêm entre si uma semelhança, a realidade de Cristo presente entre nós e no sacramento do altar, semelhança, aliás, que estabelece uma relação de ordem mística, largamente explorada pela liturgia e pela espiritualidade cristã. Chega-se mesmo a dizer que a realidade da presença de Cristo entre nós e na Eucaristia são como que res et sacramentum, enquanto são realidades expressas pela comunidade e pela celebração litúrgica, relacionadas com a comunhão de graça e verdadeira antecipação da comunhão definitiva com o Pai, o Filho e o Espírito, realização última do desígnio de Deus sobre a humanidade e sobre todo o universo.

            A natureza analógica da categoria res et sacramentum permite-nos, a nosso ver, aplicá-la à experiência da vinda de Deus a nós na raiz de uma nova vida, que é o batismo no Espírito Santo. O elemento interior, realidade invisível, mas perceptível, vivida efetivamente como experiência humana, é a própria experiência da vinda de Deus, apropriada ao Espírito, a experiência do Espírito. Essa experiência em si mesma não é a graça, pois a graça é imperceptível, como ensina o Concílio de Trento, mas é a manifestação de uma realidade interior imperceptível, a conversão transformadora de toda a nossa vida, apropriada ao Espírito. Pode-se pois classificar o batismo no Espírito Santo como res et sacramentum, vinculado ao batismo, e por isso denominado batismo, mas também, por outro lado, vinculado à efetiva vinda de Deus, apropriada ao Espírito, e, por isso mesmo denominado “batismo no Espírito Santo”.

leandro

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