Comunidades, uma necessidade hoje
Ministério Paulo Apóstolo
O cristianismo é por essência comunitário. Mas se isso é verdade em todo tempo e em todos os lugares, o cristão de hoje tem necessidade de reencontrar comunidades cristãs, não somente para viver sua fé, mas para sobreviver, como cristão, num mundo sempre mais estranho ao cristianismo.
Somos perigosamente ameaçados por uma modelagem coletiva, por uma sociedade que impõe ao homem sua própria imagem, seus próprios critérios sem outra referência a não ser ela mesma. Se a humanidade progrediu em muitos setores, está atrasada em muitos outros, como o relaxamento dos costumes, a criminalidade crescente, a erotização, as violências. O cristão respira o ar deste mundo.
“Um cristão, para viver uma verdadeira vida cristã, deve encontrar-se num ambiente no qual o cristianismo seja abertamente aceito, onde se fale dele, onde seja vivido. Ora, os católicos encontram sempre menos semelhante ambiente. Quando a sociedade como tal não mais acolhe o cristianismo, torna-se necessário formar comunidades no interior da sociedade a fim de tornar possível a vida cristã. Muitos cristãos foram educados a identificar aquilo que está bem em matéria religiosa com aquilo que a sociedade em seu conjunto reconhece como tal. Vendo que a sociedade hoje não é mais unânime, muitos sentiram, de fato, um enfraquecimento em sua fé e em suas práticas cristãs” (Stephen Clark).
Tratando-se de cristãos, o “viver juntos” como tal ainda não basta para definir uma comunidade cristã. Esta só existe verdadeiramente em função de Jesus Cristo que os cristãos invocam explicitamente e a quem procuram seguir como Mestre de vida, Salvador, Senhor. Uma comunidade não é autenticamente cristã a não ser que tenha respondido ao apelo de Jesus Cristo para ser conduzida por seu Espírito ao coração do mundo.
O que no cristianismo é único e o constitui, não é um conjunto de princípios ou de valores, mas Jesus Cristo. O que é essencial é o sentido de sua vida, de sua morte, de sua ressurreição, de sua presença atual por seu Espírito.
Se Cristo é um nome vago que significa amor pela humanidade, e se reduzimos o Evangelho a um humanismo social, o nome de Jesus pode ser substituído por qualquer líder “messiânico” entre tantos que se apresentam hoje. Não podemos falar de renovação na Igreja, se esta renovação não se refere, antes de qualquer coisa, a uma redescoberta em profundidade da relação pessoal do cristão com Jesus Cristo. É preciso que primeiro se exponha o verdadeiro sentido do batismo em Jesus Cristo, para viver em seu seguimento.
Jesus Cristo é a pedra angular, o fundamento de toda comunidade cristã. Para que uma comunidade cristã possa viver e sobreviver, tem necessidade de uma razão de existir. Esta razão é Cristo. Nada pode substituí-la. Ele a anima interiormente por seu Espírito. Sem ele, pode haver encontro de pessoas, mas não há verdadeira comunhão.
A Igreja é o “sacramento da unidade do mundo” (Vaticano II), portanto a Igreja é sinal e promessa para a plena realização do homem e resposta aos seus anseios de paz e comunhão. Para realizar esta missão, é preciso que nela (Igreja) seja possível a experiência de “pequenas comunidades cristãs” como que uma prefiguração desta comunidade humana que se procura tão penosamente. Deve poder mostrar, na comunidade, aquilo que poderia tornar-se o mundo se acolhesse Jesus como o Salvador do mundo, a resposta aos seus problemas.
Resposta no sentido de que a raiz última dos males deste mundo é o ódio, a inveja, o egoísmo pessoal e coletivo, a falta de amor sob todas as suas formas; em resumo, aquilo que o cristianismo chama de pecado. Somente Jesus pode revolucionar em profundidade o coração humano e, por conseguinte, as estruturas. Só o acolhimento de Jesus como caminho, verdade e vida, penetra radicalmente no coração dos problemas e somente sua Igreja possui o poder de renovar não só a ela própria, mas também o mundo. Isso talvez soe estranho aos ouvidos de cristãos de fé fraca e de esperança vacilante.
“Este mundo novo e esta terra nova” pode ser oferecida ao mundo através de comunidades cristãs em escala humana. Vendo os cristãos viverem, o mundo deveria receber um choque e perguntar-se: qual é o segredo deste amor mútuo, desta serenidade, deste esquecimento de si? Então o nome de Jesus Cristo assumiria uma importância inesperada, porque a própria vida seria luz e transparência. É o sinal da credibilidade dado pelo próprio Jesus; é o argumento eficaz por excelência. A experiência cristã tem valor profético para o mundo.
Sob o ponto de vista humano, poderia parecer uma utopia fazer depender “a renovação da face da Terra” de pequenas comunidades cristãs que, por mais fervorosas, não representam mais do que uma gota de água no oceano. Mas se levarmos em conta que a energia espiritual que se liberta de todo grupo que aceita que Cristo o anime de seu Espírito, tudo muda de valor porque entramos na virtude e no próprio poder de Deus. O “pequeno rebanho do Evangelho” é o próprio símbolo de uma minoria cristã, esta minoria “abraâmica” é que na realidade, transforma o mundo.
A graça opera sempre através do pequeno número. A visão penetrante, a convicção ardente, a resolução indomável do Pequeno número, o sangue do mártir, a oração do santo, a ação heroica, a crise passageira, a energia concentrada de uma palavra ou de um olhar, eis os instrumentos do céu! Não temas, pequeno rebanho, pois é poderoso Aquele que está em teu meio e por ti ele fará maravilhas.
Não é possível entrar no “Reino de Deus” sem passar pela transformação da terra dos homens. “A nova Terra” exige uma postura contra “toda concepção dualista do outro mundo e deste” e a condenação da “esperança marxista” que cede à ilusão de que mudando o sistema de propriedade ou mesmo um conjunto mais vasto de relações sociais, nascerá necessariamente um “homem novo”.
Devemos repensar a dimensão social do cristianismo. É necessário insistir na relação pessoal de cada um com Deus e na relação horizontal com as pessoas, mas é preciso ir além. É preciso insistir também no aspecto político da caridade e do engajamento cristão. Torna-se grave a pouca participação do cristão na vida política, na luta contra o problema da droga, a erotização, o futuro profissional dos jovens, a criação de novos empregos, das políticas econômicas. E mais grave ainda quando muitos cristãos consideram que todos estes problemas nada têm que ver com o reino de Deus. Existem dois riscos que devem ser evitados: um cristianismo desencarnado e um cristianismo sem Cristo.
Uma verdadeira presença cristã no mundo não pode ser uma presença tímida, acanhada. Devemos oferecer-lhe o que temos de melhor, isto é, um poder e uma sabedoria que nos ultrapassam, mas que são libertação e salvação plenas.
Vamos recordar o que Pedro e João à Porta Formosa do Templo, respondem ao pobre que lhes pede esmola: “Olhe para nós” (para esse nós que é a Comunidade cristã inserida e resposta ao mundo) “Não tenho [temos] prata nem ouro, mas o que tenho [temos], isso te dou [damos]: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!” (At 3,6). Essa é a última resposta cristã para nós que cremos na ressurreição.