Procurando definir “experiência”
Em termos mais precisos, o que significa “experiência” neste contexto? Não vamos explorar aqui todo o campo da experiência religiosa onde há muito a fazer ainda. Aqui não se trata de “experiência” feita ou provocada pelo homem. A “experiência” é um conhecimento concreto e imediato de Deus que se aproxima do homem.
De acordo com Heribert Mühlen[1], experiência é um conhecimento adquirido no contato, sendo oposto ao conhecimento intelectual, fruto de um esforço. A experiência se dá pelo contato proporcionado pelos sentidos, sendo, neste sentido, um conhecimento original (posto que este conhecimento adquirido não vem da leitura ou aprendizado, que supõe uma experiência anterior e de um outro que a descreve ou a ensina).
É diferente de ler uma descrição de uma paisagem e estar lá.
“Experiência de fé” é um conhecimento percebido como um fato e é o resultado de um ato de Deus. O homem se apropria desse ato de Deus num nível pessoal. Contrasta com o conhecimento abstrato que se tem, ou se acredita ter, de Deus e de seus atributos: onipotência, onipresença, infinidade.
Ao descrever uma experiência, produz-se, em quem escuta, uma comoção que a predispõe a ter ela mesma uma experiência original (no sentido de ser só dela), embora esta comoção (desejo – coração traspassado em Atos 2,37) não seja a experiência em si, que sendo pessoal produz um conhecimento próprio, adquirido e inquestionável.
Experiência é conhecimento em nível pessoal e contém alguns elementos do não-conceitual. Esta visão não conceitual que se tem de Deus, faz parte da experiência. Maria ao falar que não “conhecia homem algum” (Lc 1,34) por certo não desconhecia como acontecia a fecundação, mas queria dizer que ela não havia experimentado esta relação que lhe daria o “conhecimento”.
O termo grego “conhecer” se liga ao conceito experimentar e em algumas situações designa o relacionamento pessoal de amizade próxima com um “outro”. Este conceito de “conhecer – relacionar” também é encontrado na língua hebraica onde significa “conhecer pela convivência”.
Ao fazer uma oposição entre inteligência e experiência, ignoramos que o processo de reflexão possui também algo de experiencial. Também não se deve opor fé e experiência. Ao passo que o conceitual não está completamente ausente da experiência, esta é o conhecimento a nível pessoal da realidade e presença de Deus que vem ao homem. É a percepção experiencial da realidade de Deus.
Concluímos esta anotação dizendo que conhecer a Deus pela experiência que se faz dEle, significa concretamente entrar no relacionamento pessoal que Ele mesmo trava.
Neste sentido as fórmulas, liturgias, ritos, dogmas e ministérios são mediações para nos elevar a Deus e possibilitar uma experiência de fé que nos dê o conhecimento de Sua vida em nós. Daí ousamos dizer que, sem a experiência os sacramentos, ritos e liturgias são inoperantes no nível da consciência pessoal. Tomé precisou tocar para crer. Nós também precisamos “tocar” para crer, principalmente num mundo marcado pelo “imediato”, onde o “virtual” se assemelha ao real.
[1] Heribert Mühlen, Fé cristã renovada, Edições Loyola, 1975
Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi