Batismo no Espírito Santo – O significado

Batismo no Espírito Santo – O significado

Até agora julgávamos que a promessa de que Jesus “batizará no Espírito Santo” havia sido considerada como já cumprida em o Novo Testamento. Na teologia de Lucas é isso evidente, devido ao fato de nela se fazer referência retrospectiva a essa promessa; no Evangelho de João, pelo menos se insinua fortemente a mesma idéia. É fascinante tratar agora do batismo no Espírito Santo na perspectiva do Novo Testamento; esbarramos, porém, na diversidade das teologias neotestamentárias. Em alguns escritos o Espírito Santo é apenas esporadicamente nomeado, por exemplo, nos Evangelhos de Marcos e Mateus, na Carta aos Colossenses, na Carta de Tiago. É bem possível que nesses escritos a vinda do Espírito tenha sido descrita em outros termos, por exemplo, como a ação do Senhor Jesus (Mc 16,19ss) ou como “Cristo tudo em todos” (Cl 3,11-17). Além disso, também nas passagens em que se nomeia o Espírito, ou mesmo naquelas em que se fala mais profusamente sobre Ele, pode-se demonstrar que diferem as concepções ou — e isto é certo — diferem os destaques. Em At 2 ficam os discípulos “cheios” do Espírito e o primeiro resultado é começarem eles a falar “em línguas estranhas” (2,4 heterais glossais), isto é, segundo a opinião hoje bastante comum, em linguagem de sons ou glossolalia, a qual é um dom do Espírito, como se vê também em outras passagens (10,-16; 19,6). Esse “falar em línguas estranhas” é entendido por pessoas “de todas as nações que há debaixo do céu” (2,5: Lucas une aqui os dons da glossolalia e da interpretação).

Isto indica a ação missionária do Espírito, ação essa testemunhada em todo o contexto dos Atos dos Apóstolos. A glossolalia é um — apenas um — dos dons ou carismas que na concepção paulina são conferidos pelo Espírito, inclusive por Cristo ou por Deus (l Cor 12,8-10; Rm 12,6-8; Ef 4,11; 1Pd 4,12). Paulo fala do ser balizado no Espírito “para sermos um só corpo” (1Cor 12,13). Por isso os caris­mas têm por objetivo a “utilidade comum” (1Cor 12,7), a “edificação do corpo de Cristo” (Ef 4,12), o serviço mútuo (1Pd 4,10). Com isso não fica excluído o testemunho para fora (1Cor 12,24ss); contudo, a ação missionária não está aqui tão estreitamente ligada à vinda do Espírito como nos Atos dos Apóstolos. Além disso, pode-se indicar uma outra linha de pensamento em Paulo. Na Carta aos Gálatas, o fruto do Espírito é a caridade em todas as suas formas, acompanhada de alegria e paz (5,22). Na primeira Carta aos Coríntios, Paulo combina o seu reconhecimento condicional dos carismas com o seu reconhecimento incondicional da caridade, que ele denomina o maior dom (12,31). Paulo não vai muito além duma simples comparação (14,1); o “hino à caridade” (cap. 13) é uma interrupção no seu raciocínio.

Em todo caso, os carismas sem a caridade não têm sentido (13, 1-3); se existe um nexo mais positivo, não é claro. Esta ambigüidade paulina acerca do que opera o Espírito encontra um certo paralelo no Evangelho de João. De um lado, fala-se dum nascer da água e do Espírito, nascer que se verifica anothen, o que significa, ao mesmo tempo, “de novo” e “de cima”. É este nascimento uma entrada no Reino de Deus e um livre e surpreendente dom (3,3-8). Pode-se ver um certo nexo com este novo nascimento no poder de perdoar pecados, conferido por Jesus ressuscitado aos seus discípulos, juntamente com o dom do Espírito (20,22ss). De outro lado, é o Espírito como Paráclito, juntamente com os discípulos que, sobretudo, dá testemunho frente ao “mundo” (15,26ss; 16,8; cf. Mt 10,19ss; At 4,8; 7,55 etc.).

Ao tentarmos, pois, definir o batismo no Espírito Santo segundo os seus efeitos, poderemos, a partir do Novo Testamento, completar alguns dados. Existem, porém, alguns traços que são comuns acerca da vinda do Espírito (seja designado como batismo ou não):

  1. Em primeiro lugar ela é uma total realização, uma plenitude, uma superabundância. Nos Atos dos Apóstolos fala-se, às vezes, de um “ficar cheio” do Espírito Santo (2,4; 4,8 e 31; 7,55; 9,17; 13,9). O que em outros lugares se diz da caridade e dos carismas, se adapta à figura de plenitude: é uma plenitude no mais íntimo do coração e em nossas faculdades,
  2. Em seguida, de todo o Novo Testamento se depreende claramente que essa plenitude dada pelo Espírito e a união com Cristo são conscientes e reconhecíveis. Cristãos de hoje, nós vivemos tantas vezes com base numa doutrina que aceitamos, que pomos em prática e da qual ainda procuramos nos tornar conscientes. Com os cristãos da época dos escritos neotestamentários, deve ter acontecido de maneira diferente; o anúncio (que precedia à instrução) agia poderosamente neles e eles experimentavam uma força renovada em sua vida particular e na comunidade. Foi a isso que se referiu Paulo, quando escreveu aos Gálatas: “Recebestes o Espírito por virtude das obras da Lei ou por virtude da pregação da fé?… Aquele que vos dá o Espírito e opera milagres entre vós, fá-lo pelas obras da Lei ou pela pregação da fé?” (3,2 e 5). Deve ter acontecido alguma coisa, quando eles começavam a crer: deve ter sido experimentável o recebimento do Espírito. Foi por isso também que Paulo pôde apontar a efusão do Espírito como prova da nossa filiação (Gl 4,4) e garantia da esperança (Rm 5,5).
  3. Uma característica da efusão do Espírito, relacionada com isto, é que essa efusão atingia o próprio corpo. Prova disto é a glossolalia, a oração de louvor que rompe as barreiras da nossa linguagem inteligível. Provam-no mais ainda as curas experimentadas e o dom de curar relativo a elas. Toda a pessoa, inclusive seu corpo, o soma, torna-se o templo do Espírito: a pessoa torna-se “um só espírito com o Senhor”; “o corpo é para o Senhor e o Senhor é para o corpo” (1Cor 6,13.17.19). Desta forma, já fica -antecipado o nosso definitivo “corpo espiritual” (1Cor 15,44; Rm 8,9-11).
  4. Como já se evidencia, tudo isso não é unicamente destinado a cada um em particular; é um serviço para “o corpo”, isto é, a Igreja, para a edificação dela. Os dons, porém, sobretudo segundo os Atos dos Apóstolos, têm também por fim anunciar a todos as grandes obras de Deus. O Espírito atravessa as fronteiras da comunidade judaico-cristã e proíbe a Paulo restringir-se à Ásia Menor (16,6-10).
  5. Finalmente, não nos devemos esquecer de que os dons estão a caminho, enquanto esperamos o dia do Senhor; ainda não é a plena satisfação, como o diz Paulo claramente aos coríntios (1Cor 1,7; 4,8). As primeiras comunidades cristãs compreenderam, inclusive, a hipocrisia de Ananias e Safira e a tensão entre Pedro e Paulo. Em Corinto havia gente imatura, havia presunção e partidarismo; a própria Ceia do Senhor não estava preservada da influência de tais atitudes. É o Espírito que nos guia no caminho (Jo 16,13: hodegesei) para a verdade total e, também, para a verdadeira totalidade; e esse caminho é e foi sempre jubiloso e, ao mesmo tempo, doloroso.

Autor: Tácito Coutinho – Tatá – Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi


Piet Schoonenberg

Texto publicado originalmente em: “A Experiência do Espírito” – Editora Vozes, 1979 – como homenagem ao teólogo Edward Schillebeeckx.

Piet Schoonenbeerg s.j. – proeminente teólogo holandês (que manteve uma discussão bastante conhecida com o então teólogo Walter Kasper a respeito da cristologia) . O artigo deve ser considerado no contexto do nascimento da Renovação Carismática Católica e da recepção do Concílio Vaticano II.

Comunidade Javé Nissi

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