A experiência de Deus como categoria motivadora para a teologia contemporânea

A experiência de Deus como categoria motivadora para a teologia contemporânea

Autor: Eduardo Seccatto Caliman

Orientação: Maria Clara Lucchetti Bingemer – PUC-Rio.

Introdução

A experiência de Deus vem cada vez mais sendo uma categoria fundamental na reflexão teológica contemporânea. Assim como a teologia ficou durante longos anos identificada à escolástica e à racionalidade moderna após o Concilio Vaticano II e, mormente agora, na pós-modernidade, a experiência vem sendo uma categoria central para motivar a reflexão teológica.

I – Conceituação de Experiência

Ao tentar conceituar experiência pode-se perceber que há um grande uso em situações onde a palavra tem sentido um tanto ou quanto ambíguo. Porém o termo experiência sempre deveria nos levar, nos remeter àquilo que foi apreendido, experimentado, nos levar a algo que foi assimilado, vivido pelo ser humano. Para nós deve ficar claro que a noção de experiência deve, pois, abranger tanto fatos e acontecimentos dos quais o indivíduo é consciente quanto aqueles dos quais não possui consciência.

Ao fazer um estudo aprofundado no campo da epistemologia, com clareza chega-se à percepção de que a experiência é um contato da percepção direto e de tal forma característico com aquilo que se apresenta à memória. Alguns filósofos (Descartes, por exemplo) afirmam de alguma maneira que aquilo que se dá à memória ou demais faculdades do conhecimento é chamado experiência.

Como visto no tópico anterior, a experiência não vem a ser de tal modo produto do Departamento de Teologia seu conteúdo ou insumo, o experimentado, nem pode se reduzir à experimentação do experimentado, diante das velozes transformações pelas quais passou e passa o campo religioso, que hoje apresenta certa obscuridade nos meios dos quais se convencionou chamar de experiência religiosa, também compreendida como um anseio pelo Transcendente.

“Pois o conceito de experiência está entre aqueles que, em virtude de sua fundamental importância, foram utilizados na história do pensamento em grande escala e aos quais se associam um passado rico e complexo em termos filosóficos. ‘Se o teólogo desconhecer este passado, corre o risco ou de restringir o conceito ou de banalizá-lo, pois se lhe ameaça perder a plenitude da elaboração intelectual aí contida, ou, o que é ainda mais grave, entrega-se irrefletidamente ao contexto de sistemas filosóficos, dos quais doravante o conceito recebe um de seus significados principais, cujas implicações todas ele não pode como teólogo aceitar.’”[1]

Cabe ao homem, aqui no sentido de humanidade, perceber que a experiência deve significar a totalidade do que ocorre em sua vida, não desprezando nenhum dos fatos, pois mesmo diante de algo que não nos pareça bom, podemos tirar daí uma lição para toda a nossa existência. Deste modo o conceito designa a busca de um constante ato de constituir um permanente alargamento da consciência de cada ser humano. Como contato que o ser humano pode expressar, a experiência é consciente de uma relação com o mundo, com os demais seres, com Deus, assim, se torna consciente do encontro de uma alteridade, que mais do que simples conhecimento, implica em fazer com que esse processo de sentir seja transformado.

A experiência espiritual interna, imediata do divino é humana e, cabe-lhe o nome de revelação; como base nesta experiência, torna-se claro e evidente qualquer fato positivo. O dado positivo, enquanto verdade de fato, ocupa um posto relativo, determinado por uma relação histórica e temporal, mas que pode ser entendido e justificado como expressão de uma necessidade histórica. A revelação se torna a manifestação das dimensões religiosas internas da humanidade, dando ao homem de modo rápido e eficiente tudo o que precisa.

Para Mouroux, a experiência religiosa designa a experiência vivida sem repetição pela reflexão crítica. Assim é possível perceber que o experimental concorda com a experiência provocada, de tal forma ela coordena os elementos da experiência para constituir a ciência. Esse experiencial marca o engajamento e compromisso mais completo de cada pessoa, onde ela se entrega com seu ser e seu ter, sua reflexão e sua liberdade. Ela se doa a si, numa significação pura e singular frente a este evento, e este sentido que chamamos de novo pode fornecer testemunho.

“Neste sentido, diz Mouroux, toda experiência espiritual autêntica é de tipo experiencial.”[2] Assim, nascida com o simplesmente vivido, a experiência se eleva, na ciência, até o nível racional, se levanta, em tal momento privilegiado, ao existencial – ou meta-empírico. É deste último tipo que releva a experiência religiosa.

A experiência religiosa traz consigo uma grandeza incomum entre tudo que releva do entendimento ou da razão e o conjunto de fenômenos referenciáveis ao experimentar propriamente dito. Tal experiência escaparia, portanto, a toda aproximação racional, ou pelo menos que dela se aproximasse. Ela então não poderia relevar nada referente à ordem da verdade, nem da ordem da ética, nem mesmo da ordem do teleológico ou da organização do sentido.

É a experiência de uma relação entre duas ordens, dois níveis de realidade, um superior e outro inferior que não fazem número nem se somam e entre os quais não há simetria possível. Esta revelação esmagadora é, pois, a de um poder tão radicalmente grande e vivido pelo ser humano como um deparar-se em seu próprio nada.

“Esta é a diferença da experiência religiosa com a experiência mística. O místico aceita essa alternância de presença e ausência em relação à totalidade do sagrado. Por isso o alumbrado, o carismático, ao contrário do místico, pretende dissolver-se no divino e eliminar seu próprio eu, sendo incapaz de assumir sua condição de “ser separado”, que é a única que possibilita o autêntico encontro, diálogo, comunicação. O carismático ama a experiência do amor, mas não o outro. Muitas experiências religiosas hoje correm esse risco”.[3]

Pode-se perceber então, que o Deus que se pode experimentar, é muito mais do que uma força e fonte de regozijo, de prazer ou um sentido para a vida. Deve ser, portanto, fonte mobilizadora de um compromisso ético, de um projeto e de um ideal de transformação da história. Assim, as experiências primeiras da vida humana são uma possibilidade real e fecunda para que a experiência religiosa e a experiência de Deus consigam fincar suas raízes no interior do ser humano, no profundo de seu coração. E ao mesmo tempo, tem de estar conscientes que podem surgir certos desvios e distanciamentos do que se propõe a enfocar, que podem ser muito essenciais para a compreensão mesma de Deus que o ser humano possa ter.

“A mística é, sim, um conhecimento, porém um conhecimento que advém da experiência e onde a inteligência e o intelecto entram apenas no sentido de compreender não a experiência abstratamente falando, mas o que sente o sujeito concreto que está no centro do ato mesmo de experimentar. E este sentir é um sentir que implica em uma alteridade e uma relação.”[4]

No evento místico, que se dá entre o ser humano e o divino, está, portanto, não apenas o sujeito que conhece, ou seja, o eu, mas o outro. Assim, aquele ou que, por sua alteridade e diferença, fazem com que seu eu caminhe em direção a uma jornada de conhecimento sem caminhos traçados e sem seguranças, pode chegar ao conhecimento daquilo que os outros são capazes de fazer, seja por eles, seja para comigo. Pode-se chegar à conclusão de que o caminho da relação com o Transcendente e Divino é constitutivo da experiência mística. E no caso da mística cristã, esse outro, essa alteridade, tem o componente antropológico no centro de sua identidade, uma vez que o Deus experimentado se fez carne e mostrou um rosto humano, habitando entre nós.

II – KARL RAHNER E A EXPERIÊNCIA A PARTIR DA REVELAÇAO

Experienciar o Divino a partir da Revelação, como ouvinte da Palavra.

O homem, por natureza, está aberto à possibilidade de uma Revelação de Deus. Deste modo, quanto mais ele aceita livremente esta comunicação, maior se tornará a experiência de radicalidade em sua vida. É o próprio Deus ao mesmo tempo quem doa e quem dá possibilidade para que o homem possa acolher este mistério em sua vida. O ser humano se torna evento da própria comunicação de Deus, e isso se dá não somente para aqueles que foram batizados, mas para todos os seres humanos.

Para Rahner, este é um campo vasto e parece não ser possível traçar uma linha para delimitar o que no ser humano é natural e o que é sobrenatural[5]. Assim sendo, o existencial que se estabelece dado a autocomunicação de Deus, embora seja dado a todas e a cada uma das pessoas, não é natural.

“Este existencial não se torna merecido ou devido e, nesta acepção, ‘natural’, pelo fato de estar dado a todos os homens como elemento permanente de sua existência concreta e pelo fato de estar previamente dado à sua liberdade, à sua autocompreensão e à sua experiência” [6]..

Como visto anteriormente, a acolhida da graça, que para Rahner é o próprio Deus, é animada para que assim não venha a se rebaixar a finitude humana Parece ficar claro que é o ser humano aquele que deve abrir-se ou fechar-se ao contato com Deus. Por isso, antes da tomada de posição do ser humano, sua natureza já está determinada por aquilo que, no dizer de Rahner, se chama de “existencial sobrenatural”.

Como ser de mistério, o ser humano tende a uma abertura a Deus por meio da transcendência. O Deus que se deixa conhecer não fica distante, ele se comunica e dá seu amor a cada ser humano.Esta autocomunicação divina realiza a abertura transcendental da pessoa, pois significa a aproximação real daquele para o qual se orienta toda a vida humana no conhecimento e na liberdade.

Parece-nos claro que Rahner entende a autocomunicação divina como um acontecimento, e não uma mera comunicação de verdades.

Por meio da Revelação, Deus irrompe numa proximidade na história humana. Mesmo com tal proximidade não conseguimos compreendê-lo plenamente.

Pela Revelação, percebe-se um diálogo entre Deus e o homem no qual se dá um acontecimento, que é transmitido a cada ser. Deus em seu amor nos comunica a grandiosidade desde amor e nos possibilita responder.

De tal modo a abertura do ser homem à transcendência é mediada historicamente, ou seja, as pessoas transcendem como seres históricos e somente na história. Rahner identifica a experiência transcendental como

experiência da transcendência:

Chamamos de experiência transcendental a consciência subjetiva, atemática, necessária e insuprimível do sujeito que conhece, que se faz presente conjuntamente a todo ato de conhecimento, e o seu caráter ilimitado de abertura para a amplidão sem fim de toda realidade possível”[7].

Não há nada mais claro para Rahner , ainda que incompreensível, do que este mistério que se revela. Parece-nos tratar-se de um mistério que pode ser definido como horizonte distante de nós, que de certa maneira, por ser revelado, se mostra próximo e acolhedor. “Não se pode entender transcendental idade do homem como faculdade que seja dada, vivida e experimentada e refletida independentemente da história”[8].

“Se o homem é dessa forma o ser que se caracteriza pela subjetividade, pela transcendência, pela liberdade e pela orientação a entrar em comunhão de aliança com o mistério santo, que chamamos Deus; se ele é o evento da absoluta autocomunicação de Deus, e tudo isso sempre e inevitavelmente e desde o início; se ele, porém, ao mesmo tempo, como tal ser de transcendência divinizada, é o ser da história individual e coletiva, então esse existencial sempre presente e sobrenatural da referência ao mistério santo e à absoluta autocomunicação de Deus como oferta à liberdade do homem, possui, ele próprio, uma história coletiva e individual, e esta a um só tempo é história da salvação e revelação.”[9]

Parece-nos bastante evidente que para Rahner, a experiência da transcendentalidade mediada pela história seja ao mesmo tempo individual ou coletiva da humanidade, é história da revelação e da salvação. Deste modo, na mesma medida em que Deus se revela, Ele o faz para salvar o ser humano, e este, na acolhida da palavra da Revelação, faz a experiência da ação salvífica de Deus que lhe é ofertada. A oferta de Deus ao homem, por meio da autocomunicação, constitui a história da revelação e a história da salvação.

Na obra Curso fundamental da fé, Rahner deixa transparecer que a ação salvífica de Deus esteve presente em todo o tempo da história, devido à Sua vontade, e esta revelação salvífica de Deus deu-se, portanto, muito além dos limites do espaço e do tempo. Rahner quer assim mostrar que a história da salvação e a história da revelação podem ocorrer em todo lugar onde se encontra o homem. Assim a “história da revelação e como tal da humanidade é coextensiva à história da liberdade no mundo”[10]

A experiência que se afirma enquanto transcendental, presente no ser humano como um saber atemático, deve, segundo ele, ser apresentada como “auto-revelação de Deus”. A revelação possibilitada por Deus e assim caracterizada pela experiência transcendental concretiza-se pela ação permanente da graça de Deus no ser humano.

É o próprio Deus que, ao se autocomunicar, dá ao homem a capacidade de acolher.

“A proposição aposteriorística da revelação verbal que vem da história só se pode ouvir no interior do horizonte de uma subjetividade apriorística divinizante e divinizada. Só se pode ouvir da forma como deve ser ouvida, se o que é ouvido deve ser seriamente chamado de ‘palavra de Deus’.”.[11]

Segundo Rahner, a palavra é “palavra de Deus”, visto que é revelada e só pode ser acolhida sob a graça do mesmo Deus. A experiência originária, se assim a podemos definir, que se dá na subjetividade e também de modo transcendental, já pode ser definida como experiência de Deus.

Parece ficar claro que Rahner compreende que, não resta outra possibilidade a pensar senão uma fé que seja simplesmente a aceitação obediente da autotranscedência sobrenaturalmente elevada do homem, a obediente aceitação de sua referência transcendental para com o Deus da vida eterna”[12]

A revelação se dá em todos os momentos da história, pela experiência transcendental do ser humano e sua auto-explicação. Assim sendo, a experiência transcendental da revelação de Deus, a auto-explicação que acontece dessa experiência na história do homem, caracteriza-se como fonte, lugar revelador da própria revelação.

“Deus se torna ele mesmo em sua realidade mais própria como que um constitutivo interno do homem”.[13]

A autocomunicação de Deus é para Rahner pura graciosidade, que de tal forma expressa a grandiosidade do amor de Deus, que faz o próprio Deus ser o princípio, e artífice de toda realização da existência do homem. Para Rahner, o critério desta autocomunicação é o evento Jesus Cristo, como ele afirma:

“Somente no evento pleno e insuperável da autocomunicação de Deus ao mundo em Jesus Cristo, é que temos o evento que, por ser escatológico, está em princípio subtraído pura e simplesmente a eventuais depravações históricas e a uma explicação perversa da ulterior história da revelação categorial e da deformação da religião”[14].

Pode-se perceber, que somente em Jesus Cristo se pode discernir entre o que é verdadeira compreensão da experiência transcendental e o que é depravação, desvirtuação e compreensão errônea dessa experiência. Assim, para Rahner, o Deus que proclamamos na fé em Jesus Cristo está e somente pode ser achado onde nós estamos e nos encontramos.

Desta forma vemos um Deus que se dá a conhecer dentro da história, presente cada vez mais no coração do homem, dando condições e levando-o a compreender tão grande mistério, mesmo que parcialmente. Deus é amor que se oferece a uma liberdade humana, e homens e mulheres podem exercer essa liberdade como recusa deste amor. E a história tem sido decididamente marcada por esta recusa.

São assim – Deus e o ser humano – dois mistérios que caminham um ao encontro do outro, tendo na encarnação o centro, o ápice deste encontro entre natureza humana e mistério, mistério da plenitude. Segundo Lavall, a existência humana é a mediação para a experiência de Deus. Deste modo, acontece a experiência de Deus “na existência de qualquer indivíduo que suporta o peso da sua responsabilidade e vive altruisticamente para o próximo, o que abre a sua teologia para uma incidência profética da experiência religiosa no campo do social e do político”[15].

Percebe-se que a autocomunicação livre de Deus a toda criatura, de maneira especial ao homem, pressupõe nela possibilidades para que a mesma possa acontecer. O homem e sua natureza devem ser concebidos e estarem abertos à possibilidade de, em si, perceber e captar a doação de Deus na revelação. Isto quer dizer que essa natureza deve ser de abertura ilimitada para o ser divino sem limites.

Pela abertura sem limites à transcendência, o ser humano experimenta, de alguma forma a graça, muito embora não de forma reflexa, mas com conteúdo real. Tal experiência caracteriza-se como experiência atemática da graça.

“Deus e a graça de Cristo tornam-se, pois, misteriosamente presentes como a essência oculta de toda a realidade elegível. E por isso não é fácil que alguém se volte para algo sem que se avenha com Deus e com Cristo, acolhendo ou rejeitando-os, crendo ou descrendo”[16].

Seguindo esta linha de raciocínio, percebe-se que a revelação deve ser respeitada como ela é, ou seja, a revelação que Deus faz de si mesmo ao ser humano. A complexidade do tema e sua abrangência nos levam a perceber que o ser humano é aberto à transcendência e que na incessante busca que faz para a autocompreensão de si mesmo e da totalidade que o envolve, o homem percebe sua pequenez e sua limitação, perante tão grande horizonte que se abre perante si.

A transcendência que envolve todo homem vem confirmar e demonstrar sua constante caminhada para o encontro com o amor e a verdade, enfim com o supremo bem. Dessa maneira é possível destacar que a revelação se dá por absoluta e livre iniciativa de Deus, sendo que cada homem com sua capacidade de ouvir esta palavra, pode, pela sua liberdade, acolhê-la ou não.

A experiência transcendental de cada homem caracteriza-se como auto-revelação de Deus ou experiência de Deus. Deste modo, a revelação verbal, através da palavra, só pode acontecer a partir desse horizonte apriorístico.

“Em todas essas coisas, o mais profundo, o pessoal, não passa diante de ninguém rapidamente. Nesse contexto, só se pode afirmar uma coisa: tenha em conta o momento. Procure fazer aquilo que, de forma muito viva, se pode afirmar que é o seu dever. Além disso, experimente, como algo sempre novo, que o Mistério impronunciável que chamamos Deus não só vive e age, mas teve a ideia, totalmente inverossímil, de aproximar-se de você totalmente, de maneira amorosa. Veja Jesus Cristo, o Crucificado. Por meio dele, você pode, finalmente, aceitar sua vida, aconteça o que acontecer nela. Não posso dizer nada que seja maior que essas simples verdades tão conhecidas, nada maior que essas máximas cristãs. E pergunto-me: quanto tempo falta até chegar para sempre o grande ocaso? Não sei. Por isso continuemos trabalhando, enquanto for de dia. No final, vai-se sempre com as mãos vazias, bem sei. Porém, então, eleve seu olhar ao Crucificado e vá. O que aparece é a eterna incompreensibilidade de Deus”[17].

O ser humano pelo seu “existencial sobrenatural”, que é a referência permanente ao mistério santo, tem a possibilidade de experimentar em sua cotidianidade um cristianismo anônimo. Contudo, só em Jesus Cristo se dá a interpretação e explicação verdadeira da experiência transcendental sobrenatural. Nele, o anonimato se torna explicitação e experiência palpável, embora indizível em sua plenitude, da incompreensibilidade plena do mistério santo.

A palavra faz os “cristãos anônimos” descobrirem a realidade em que já estão colocados, a presença que já os acompanha, a verdade de Deus que já estavam experimentando, de forma implícita. Ela faz “vir à luz” a realidade que estava “forçando” para se manifestar. Isso remete o cristão anônimo a um encontro real e verdadeiro com a revelação de Deus. Ele experimenta no agora aquilo que estava latente em sua vida.

“Embora o ser humano esteja incondicionalmente orientado para a visão beatífica, esta mesma é graça. A essência da graça é a “autocomunicação de Deus no amor”. Deus quer comunicar-se, prodigalizar seu amor que é Ele mesmo. Cria o ser humano, para amá-lo, capacitando-o, portanto, para que possa receber o amor que é Ele mesmo. Esse amor é o milagre eternamente surpreendente, o dom imprevisto e indevido. O Deus amoroso se autocomunica livremente e gratuitamente, sendo que, na liberdade, quer que o ser humano seja capaz de recebê-lo e percebê-lo como uma realidade inteiramente indevida, um milagre imerecido.”[18]

Na lógica da reflexão de Rahner, a experiência originária de Deus acontece não somente no momento da adesão explícita ao cristianismo, mas pode se dar de maneira misteriosa tanto nas formas religiosas diversas como também nas experiências não religiosas[19].

Conclusão

Parece-nos bastante evidente que para Rahner, a experiência da transcendentalidade mediada pela história, seja ela ao mesmo tempo individual ou coletiva da humanidade, é história da revelação e da salvação. Na lógica da reflexão de Rahner, a experiência originária de Deus acontece não somente no momento da adesão explícita ao cristianismo, mas pode se dar de maneira misteriosa tanto nas formas religiosas diversas como também nas experiências não religiosas.

Referência

RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé: introdução ao conceito de cristianismo. Tradução de Alberto Costa. São Paulo. Paulus, 1989

 

[1] BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Experiência De Deus – A Busca Por Uma Identidade / Atualidade Teológica VI, n. II (maio/agosto 2002) pp 239-255

[2] J. MOUROUX, L ́expérience chrétienne, Paris, Aubier, 1954

[3] BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Experiência De Deus – A Busca Por Uma Identidade. – Atualidade Teológica VI, n. II (maio/agosto 2002) pp 239-255

[4] Idem

[5]RAHNER, K. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo.(tradução Alberto Costa; revisão Edson Gracindo). São Paulo: Paulus, 1989. p. 158.

[6] RAHNER, K. O homem e a graça. São Paulo: Paulinas, 1970, p. 60.

[7] RAHNER, K.Curso fundamental da fé.p. 33

[8] Idem p.173

[9] Idem pp 174-175

[10] Idem p.179

[11] Idem p. 185

[12] Idem p.187

[13] Idem p.145

[14] Idem p.193

[15] L.C. LAVALL. A afirmação de ‘Deus Pai’ na teologia rahneriana. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte ano XVII,n.45, p. 207

[16] RAHNER, K. Curso fundamental da fé. p.272

[17] VORGRIMLER, Herbert. Karl Rahner: Experiência de Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 196

[18] HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Teocomunicação Investigando o conceito de cristianismo. Porto Alegre, v. 37, n. 157, p. 369-395, set. 2007.

[19] VORGRIMLER, Herbert. Karl Rahner: Experiência de Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 226

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