A SITUAÇÃO DO CRISTÃO NO FUTURO

A SITUAÇÃO DO CRISTÃO NO FUTURO

Karl Rahner (1904-1984)

Teólogo, participou do Concílio Vaticano II na condição de perito.

Publicou O Cristão do Futuro em 1965, uma série de reflexões que fez sobre o resultado do concílio e suas expectativas para a Igreja e para os cristãos do futuro.

Suas reflexões o tornaram um dos principais teólogos do Séc. XX, no catolicismo-romano.

Comentário

Lembrando a famosa frase de Karl Rahner, “o cristão do futuro ou será místico ou não será cristão”, procurei alguns textos de sua autoria e encontrei esse que, na realidade é uma profecia, que ele chama de sonho. O texto, tirado do livro “O cristão do futuro”, trata dos cristãos do futuro, obviamente e também, consequentemente, das “comunidades católicas ou cristãs” do futuro. Nas palavras de Rahner, “os homens não serão cristãos por costumes ou tradição”… “eles serão cristãos apenas por causa de seu próprio ato de fé”. “Eles saberão que são como irmãos e irmãs um do outro [já que terão eles mesmos escolhido no coração a vida em Cristo], pois não haverá vantagem terrena em ser um cristão”.

Sua compreensão sobre o que será a Igreja incomoda e desinstala. A Igreja não terá força institucional para sua atuação, “dependerá em tudo da fé e do santo poder do coração”; compreender-se-á que “toda dignidade e todo ofício na Igreja é serviço não convencional”, sem honra nem dignidade secular. “A Igreja será um pequeno rebanho de irmãos da mesma fé, da mesma esperança e do mesmo amor”.

Já se vão 51 anos do texto de Rahner. Será que já estamos a meio passo do futuro rahneriano?

O Cristão do Futuro.

Novo Século, 2004. pp. 78-81

http://www.e-cristianismo.com.br/vida-crista/o-cristao-do-futuro.html.

Para promover o entendimento de algumas das características mais importantes deste decreto [Lumen Gentium] (visto que é impossível lidar com ele em sua inteireza, e visto que a maior parte dele já é familiar), talvez me deva ser permitido um pequeno experimento mental. Se for bem sucedido, estará tudo muito bem; se não, não tenho ninguém para responsabilizar senão a mim mesmo, e isso não é uma coisa ruim. Quero colocar-me na situação de um católico comum do futuro, particularmente o de um leigo, e perguntar o que especialmente o afeta neste documento. Não importa se a situação ocorrerá daqui a 20, 30 ou 100 anos. Não sou profeta, e se de fato estou tentando descrever essa situação de um católico futuro, com a pressuposição necessária do experimento, então a descrição não é uma profecia mas um sonho. Quer seja pesadelo, uma utopia feliz ou sem sentido, é uma questão que igualmente não precisa ser levantada.

Nesta data futura haverá comunidades católicas ou cristãs por todo o mundo, embora não distribuídas uniformemente. Por toda parte haverá um pequeno rebanho, porque a humanidade cresce mais rapidamente do que a cristandade e porque os homens não serão cristãos por costume e tradição, por causa das instituições e da história, ou por causa da homogeneidade de um ambiente social e opinião pública, mas – desconsiderando o zelo sagrado do exemplo paterno e a esfera íntima dos clãs, famílias e pequenos grupos – eles serão cristãos apenas por causa de seu próprio ato de fé, obtido numa luta difícil e continuamente reconquistado. Por toda parte, haverá diáspora. O estágio da história humana será mais uma unidade simples do que já é; todos serão vizinhos de todos, e a ação e a atitude de cada um contribuirá para determinar a situação histórica objetiva de todos. E “Cada um” significa cada nação, civilização, realidade história e, proporcionalmente, cada indivíduo. Sem dúvida o campo da história universal será muito diferente em qualidade de lugar para lugar, com algumas partes em contradição, mas formará uma unidade na qual tudo interagirá historicamente. E visto que os cristãos formarão apenas uma minoria relativamente pequena, sem campo de existência histórica independente, eles, embora em graus variados, viverão na “diáspora dos gentios”. Em nenhuma parte haverá “nações católicas” que coloquem uma marca cristã sobre os homens antes de qualquer decisão pessoal. Por toda parte, os não cristãos e os anticristãos terão plenos e iguais direitos, e talvez possam pela ameaça e pressão contribuir para dar à sociedade seu caráter e até mesmo crescerem juntos em poder e jurisdições como sinais e manifestações do anticristo. E onde quer que, em nome da necessidade de educação e organização uniforme, o Estado ou talvez o futuro super-Estado estabeleça por imposição uma única ideologia, com todos os meios de pressão e formação modernas de enormes multidões de homens, não será uma filosofia cristã que será proclamada como ideologia oficial da sociedade. Os cristãos serão o pequeno rebanho do Evangelho, talvez respeitado, talvez perseguido, talvez dando testemunho da santa mensagem de seu Senhor com voz clara e respeitada no coro polifônico ou cacofônico do pluralismo ideológico, talvez apenas em uma voz baixa, de coração para coração. Eles estarão reunidos ao redor do altar, anunciando a morte do Senhor e confiando as trevas de sua própria sorte – uma escuridão de que ninguém será poupado mesmo no super-Estado de Bem-Estar do futuro – às trevas da morte de seu Senhor. Eles saberão que são como irmãos e irmãs um do outro, porque haverá poucos deles que não têm por sua própria decisão deliberada fixada em seu próprio coração e vida em Jesus, o Cristo, pois não haverá vantagem terrena em ser um cristão. Eles certamente preservarão fiel e incondicionalmente a estrutura de sua sagrada e não mundana comunidade de fé, esperança e amor, a Igreja, como é chamada, como Cristo a fundou. Eles certamente farão uso livre de tudo que o futuro lhes oferecer em termos de organização, comunicação de massa, tecnologia, etc.

A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época. Ela dependerá em tudo da fé e do santo poder do coração, pois ela não será mais capaz de extrair alguma força, ou muito pouca, do que é puramente institucional, e que não mais sustentará o coração dos homens, mas a base de tudo que é institucional será o próprio coração dos homens. E assim, eles perceberão que são irmãos e irmãs, porque no edifício da Igreja cada um deles, quer ocupando o ofício, ou sem ofício, dependerá sempre do outro, e aqueles no ofício reverentemente receberão toda obediência dos outros como um maravilhoso dom livre e amoroso. Não será apenas o caso, mas também será claro e evidente ver que toda dignidade e todo ofício na Igreja é serviço não convencional, não levando consigo honra aos olhos do mundo, não tendo importância na sociedade secular. Mais aliviado de tal responsabilidade, talvez (quem sabe?) não mais constituirá uma profissão no sentido social e secular. A Igreja será um pequeno rebanho de irmãos da mesma fé, da mesma esperança e do mesmo amor. Ela não se orgulhará disso, e não pensará de si mesma como superior às épocas mais antigas da Igreja, mas obediente e agradecidamente aceitará sua própria época como a que é designada para ela por seu Senhor e por seu Espírito, e não meramente que é forçada a ela pelo mundo perverso.

Comunidade Javé Nissi

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