O batismo no Espírito, uma experiência

O batismo no Espírito, uma experiência

A Renovação Carismática interpreta de maneira positiva o papel da experiência no testemunho do Novo Testamento e na vida cristã. Nas comunidades do Novo Testamento, a ação do Espírito Santo foi de fato uma experiência antes de se tornar objeto de doutrina. À luz da experiência se desenvolveu a doutrina. A experiência de receber o Espírito Santo geralmente não passava despercebida nas pessoas; o Espírito era percebido e experimentado em si mesmo e nas suas manifestações externas de maneira mais ou menos imediata: “Aquele que vos confere o Espírito e opera milagres entre vós, fá-lo pela vossa prática da lei ou pela vossa obediência à fé?” (Gál 3,5).

Com o avanço da humanidade e, sobretudo, do racionalismo humanista, com suas vertentes existencialistas, a experiência religiosa passou por um tempo de descrédito, que atingiu também a religião cristã. A experiência de / da fé passa a ser vista com desconfiança, como um intimismo perigoso.

Por causa da atenção que a RCC dá à experiência da fé, ficou a impressão de que toda vida cristã se reduz ao nível experiencial. “Nesta perspectiva, o crescimento em Cristo seria como uma sucessão de experiências espirituais como uma tentativa desesperada de manter as pessoas num contínuo estado de experiências de impacto”.(Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica, Loyola)

A Renovação Carismática compreende a necessidade da formação doutrinal e da obediência ao Santo Magistério como imperativos da vida cristã. Reconhece também que uma religião submissa ao “dogmatismo” que não dá espaço a uma legítima experiência de fé pode produzir um formalismo ritual e sem vida. Fundar toda a vida cristã no subjetivismo pode produzir distorções, por outro lado reduzir o cristianismo a um sistema de dogmas e ritos a serem cumpridos legalmente, produz uma religião sem vida, sem mistério, limitada a pratica “da lei”.

Por outro lado entende que o progresso espiritual não se identifica, de forma alguma, com uma sucessão de experiências cruciais e emocionais. Aqui, como em qualquer expressão autêntica do Evangelho, há lugar para erros e acertos. Além dos elementos de experiência, existem muitos elementos objetivos, como: a oração comunitária, celebração litúrgica, a Sagrada Escritura, a doutrina e a disciplina da Igreja. A experiência não deve ser considerada nociva à fé. O que é dado à experiência, não é tirado da fé.

“A experiência do Espírito Santo era a marca de um cristão. Por ela os cristãos se definiam pelo menos em parte em relação aos não-cristãos. Eles se consideravam representantes não de uma nova doutrina, mas sim de uma nova realidade: o Espírito Santo”. (Gerhard Ebeling, citado em Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica, Loyola)

O Espírito era um fato vivo de sua experiência, que não podiam negar sem negar que eram cristãos. O Espírito se derramava sobre eles e a experiência era tanto pessoal como comunitária, constituindo uma nova realidade. Deve-se, pois, admitir que a experiência religiosa é inerente ao testemunho do Novo Testamento e omitindo-se essa dimensão na vida da Igreja, nós a empobreceríamos ao extremo.

Quando Lucas fala da percepção do Espírito, pressupõe uma experiência que envolve profecia, “sinais e prodígios”, “visões e sonhos”, “fogo e fumaça”, pois assim ele narrou o derramamento do Espírito em Pentecostes usando, entre tantas profecias possíveis, justamente o texto de Joel, colocando-o na pregação primeira da Igreja feita por Pedro.

Procurando definir “experiência”

Em termos mais precisos, o que significa “experiência” neste contexto? Não vamos explorar aqui todo o campo da experiência religiosa onde há muito a fazer ainda. Aqui não se trata de “experiência” feita ou provocada pelo homem. A “experiência” é um conhecimento concreto e imediato de Deus que se aproxima do homem.

De acordo com Heribert Mühlen (Fé cristã renovada, Loyola) experiência é um conhecimento adquirido no contato, sendo oposto ao conhecimento intelectual, fruto de um esforço. A experiência se dá pelo contato proporcionado pelos sentidos, sendo, neste sentido, um conhecimento original (posto que este conhecimento adquirido não vem da leitura ou aprendizado, que supõe uma experiência anterior e de um outro que a descreve ou a ensina).

“Experiência de fé” é um conhecimento percebido como um fato e é o resultado de um ato de Deus. O homem se apropria desse ato de Deus num nível pessoal. Contrasta com o conhecimento abstrato que se tem, ou se acredita ter, de Deus e de seus atributos: onipotência, onipresença, infinidade.

Ao descrever uma experiência, produz-se, em quem escuta, uma comoção que a predispõe a ter ela mesma uma experiência original (no sentido de ser só dela), embora esta comoção (desejo – coração traspassado em Atos 2,37) não seja a experiência em si, que sendo pessoal produz um conhecimento próprio, adquirido e inquestionável.

Experiência é conhecimento em nível pessoal e contém alguns elementos do não-conceitual. Esta visão não conceitual que se tem de Deus, faz parte da experiência. Maria ao falar que não “conhecia homem algum” (Lc 1,34) por certo não desconhecia como acontecia a fecundação, mas queria dizer que ela não havia experimentado esta relação que lhe daria o “conhecimento”.

O termo grego “conhecer” se liga ao conceito experimentar e em algumas situações designa o relacionamento pessoal de amizade próxima com um “outro”. Este conceito de “conhecer – relacionar” também é encontrado na língua hebraica onde significa “conhecer pela convivência”.

Ao fazer uma oposição entre inteligência e experiência, ignoramos que o processo de reflexão possui também algo de experiencial. Também não se deve opor fé e experiência. Ao passo que o conceitual não está completamente ausente da experiência, esta é o conhecimento a nível pessoal da realidade e presença de Deus que vem ao homem. É a percepção experiencial da realidade de Deus.

Concluímos esta anotação dizendo que conhecer a Deus pela experiência que se faz dEle, significa concretamente entrar no relacionamento pessoal que Ele mesmo trava.

Neste sentido as fórmulas, liturgias, ritos, dogmas e ministérios são mediações para nos elevar a Deus e possibilitar uma experiência de fé que nos dê o conhecimento de Sua vida em nós. Daí ousamos dizer que, sem a experiência os sacramentos, ritos e liturgias são inoperantes no nível da consciência pessoal. Tomé precisou tocar para crer. Nós também precisamos “tocar” para crer, principalmente num mundo marcado pelo “imediato”, onde o “virtual” se assemelha ao real.

4. A experiência de Jesus e de poder do Espírito Santo

Considerando o que se disse anteriormente, a Renovação Carismática chama de “batismo no Espírito Santo”, a experiência que ocorre quando o Espírito, recebido na iniciação, se manifesta à consciência, produzindo, muitas vezes, uma sensação de presença concreta de Jesus e de poder.

Este sentimento de presença concreta e de fato, corresponde à percepção da proximidade de Jesus como Senhor, à compreensão íntima de que Jesus é real e é uma pessoa. Freqüentemente este sentimento de presença é acompanhado de uma consciência de poder, mais especificamente — o poder do Espírito Santo.

Aplica-se aqui o texto de Atos 1,8 que se refere ao Espírito Santo como experiência de força ou poder (Vulgata) e ainda no discurso na casa de Cornélio, Pedro se refere a esta experiência como unção do Espírito e de poder (cf At 10,38).

“Este poder é experimentado em relação direta com a missão. É um poder que se manifesta como uma fé corajosa (parresia), animada por um novo amor que nos torna capazes de empreender e de levar a cabo grandes coisas pelo Reino de Deus, muito acima das capacidades naturais”.[1]

7. Uma experiência até emocional

A experiência religiosa não é fundamentalmente um ato da pessoa humana, é antes a ação de Deus no homem. Portanto não se refere originariamente à emoção ou à elevação emocional. Muitos não conhecendo a experiência que se faz na Renovação Carismática confundem a expressão de uma “experiência profundamente pessoal com um sentimentalismo superficial”.[2]

A experiência da fé se apodera do homem por inteiro: corpo, inteligência, afetividade, emoções… A modernidade situou o encontro com Deus no nível de uma fé, concebida por muitos de uma forma puramente intelectual. A experiência da fé inclui as emoções. A tentativa de separar a razão das emoções, como se estas fossem sem valor, é reducionista. Experiência, no contexto desta reflexão, é a ação de Deus no homem e que produz também uma experiência emocional, por ser o homem também constituído de emoções.

8. Experiência determinada

A experiência de fé, como a descrevemos aqui, verifica-se, muitas vezes, num tempo determinado, com data e local conhecidos. Muhlen, em obra citada, chama a esta experiência de “experiência de impacto ou de crise”. Embora a experiência da fé possa vir pelo crescimento, no qual a presença ativa do Espírito Santo recebido no batismo se torna consciente através de um processo de amadurecimento, sendo essa a experiência mais comum aos católicos romanos, para a qual contribuíram muitas “escolas de espiritualidade” e as catequeses a respeito do esforço pessoal e ascese.

Nós católicos romanos não temos familiaridade com a experiência de impacto ou de crise, embora seja ela conhecida. Apesar de ser uma via autêntica de encontro com Deus, deve-se reconhecer que existe aí uma possibilidade de ilusão.

Alguns têm medo de uma experiência que pode ser fortemente emocional, embora autêntica, devido aos elementos subjetivos que contém e a conseqüente possibilidade de auto-ilusão. É verdade que certa reserva é indicada em matéria de experiência religiosa. “Mas um ceticismo sistemático nesse domínio privaria a Igreja do aspecto experiencial de sua vida diária no Espírito, aliás, privaria a Igreja de toda a tradição mística. O temor à experiência religiosa não deve, pois, levar à rejeição do que faz parte integrante da vida plena da Igreja”[3].

Bibliografia consultada

  • SUENENS, Leon Joseph Cardeal – coordenador, “Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica”, edições Loyola, 1975.
  • MUHLEN, Heribert, “Fé cristã renovada – Carisma, Espírito, Libertação”, Edições Loyola, 1975.
  • RAHNER, Karl s.j., “Curso fundamental da fé” – Edições Paulinas, 1989.

LATOURELLE, René e FISICHELLA, Rino – diretores – “Dicionário de Teologia Fundamental” – co-edição: Editora Vozes e Editora Santuário, 1994 – verbete “Experiência” de Gerald O’Collins


[1]Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica, Loyola – 1975, pg 30

[2] Idem

[3] Heribert Mühlen, Fé cristã renovada, Edições Loyola, 1975

Tácito Coutinho - Tatá - Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi

Moderador do Conselho da Comunidade Javé Nissi

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